A presença de agentes do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI), órgão de inteligência com status de ministério, no criminoso acampamento golpista instalado na porta do Quartel-General do Exército em Brasília, de onde saíram os terroristas bolsonaristas que atacaram a capital federal em várias oportunidades desde a derrota de seu líder de extrema direita nas eleições de outubro, não era exatamente uma novidade para outras autoridades. O Serviço de Contrainteligência da Polícia Federal (PF) já monitorava os arapongas agitadores chefiados pelo general Augusto Heleno desde novembro de 2022. Esse setor da PF atua na prevenção, identificação e neutralização de ações promovidas por grupos ou organizações que ameacem a segurança do Estado e da sociedade brasileira.
Quem faz essa afirmação e muitas outras, como a de que os federais pediram a colaboração do GSI “ingenuamente” para monitorar extremistas, mas acabaram sendo prejudicados e delatados por esses militares em meio ao furdunço instalado na área do QG, é o servidor da Polícia Federal então lotado na Presidência da República que, desde 13 de dezembro do ano passado, vem repassando com exclusividade à Fórum os detalhes do envolvimento do órgão de espionagem, e do próprio governo Bolsonaro, nas tentativas de golpe de Estado para evitar a posse do presidente àquela altura eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e que culminaram com a invasão da sede dos três poderes no dia 8 de janeiro.
Numa entrevista exclusiva, o servidor da PF que naquele período histórico estava lotado no núcleo central do poder político nacional explica como foi que os agentes de inteligência comandados pelo general Heleno foram notados no meio da baderna generalizada protagonizada por lunáticos que se aglomeravam em barracas numa área militar do Exército brasileiro, que nada fez para removê-los de lá.
O funcionário federal da área de segurança falou também sobre como repercutiram as primeiras informações levadas a público por ele, após a selvageria da noite de 12 de dezembro de 2022, dando conta do envolvimento do GSI e de agentes do Estado nas agitações que visavam romper com a ordem democrática no país, assim como sobre as suas percepções de como os inquéritos devem caminhar na Justiça. Ele aposta que da parte dos militares já está em curso uma “operação” para se safarem de responsabilizações.
Fórum – Quando os agentes do GSI foram notados atuando dentro do QG do Exército junto com os bolsonaristas?
Servidor da PF – O que ocorreu, na realidade, é que o pessoal da Contrainteligência da PF já monitorava o acampamento e já sabia do envolvimento dos militares diretamente, isso pelo menos desde meados de novembro do ano passado, quase um mês antes do primeiro ataque, o do dia 12 (de dezembro).
Fórum – E como eles foram notados? De que forma perceberam inicialmente que esses homens e mulheres sob o comando do general Augusto Heleno estavam operando lá dentro, para causar instabilidades?
Servidor da PF – Esses agentes da Contrainteligência estavam lá pra levantar e plotar os caras que já estavam sendo investigados pelo STF, pra dar o caminho pra PF entrar lá e fazer algumas prisões e tal, o que até ocorreu... O que rolou foi que a Contrainteligência (da PF), no intuito de trabalhar em conjunto com outros órgãos de inteligência, pediu apoio do GSI e recebeu o contrário... Os caras (do GSI) começaram a sacanear e entregar os agentes da Contrainteligência da PF que monitoravam o acampamento... Começaram a delatar mesmo, pros bolsonaristas acampados... E começaram a colocar dificuldade no trabalho... Foi aí que a ficha começou a cair e eles (agentes de Contrainteligência da PF) passaram a perceber que existia algo muito esquisito acontecendo lá.
Fórum – E como isso repercutiu dentro da própria PF?
Servidor da PF – A PF toda tá puta com eles... Todo mundo, sem exceção.
Fórum – E sobre essas informações que já tinham sido reveladas por você à Fórum e que agora estão surgindo como “inéditas” por meio de vazamentos de inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal? Onde esse jogo de “mostra e esconde”, por parte de alguns atores públicos, como militares e políticos, e até por parte da imprensa, que simplesmente não repercutiu a série de reportagens da Fórum, quer chegar?
Servidor da PF – Alguém vem vazando esses depoimentos, como aconteceu no caso do UOL, e com esse negócio de fonte ‘inédita’, e isso me faz perceber que vai ter um ‘acordão’ aí talvez, porque mesmo sabendo que vocês (Fórum) já tinham feito essa publicação, que deram até o ‘exclusivo’ desde o ano passado, é claro que o resto da imprensa sabia disso e que os militares sabiam disso, claro que o STF sabia (da participação do GSI na tentativa de golpe)... Todo mundo lê e todo mundo leu a Fórum nesse meio... A Fórum era lida o tempo todo lá na Presidência no governo Bolsonaro, tanto é que teve aquele afastamento do professor universitário (requisitado pela Presidência e que ficava no acampamento, denunciado com exclusividade pela Fórum) e várias outras situações que foram reveladas por vocês naquele período lá... Aquela nota do Heleno deixa mais do que claro que todo mundo lá lê e lia o que estava saindo, e é claro que eles sabiam do que estava acontecendo e que estavam sendo monitorados.
Fórum – Mas então, qual o motivo para essa “surpresa” agora?
Servidor da PF – As declarações do (coronel (Jorge Eduardo Naime, da PM-DF) agora, na CPI aqui do DF, corroboraram exatamente isso... Que existia todo um preparo, uma ação, para aquele ato do dia 12... Não especificamente do dia 12, acabou acontecendo dia 12, foi o momento que eles acharam, né, e aí eles usaram aquela justificativa idiota lá da prisão do cacique, que ninguém nem sabe quem é, nem lembra do nome dele... E então pode ser que esteja vindo um ‘acordão’ aí, como eu disse... Porque sai na grande mídia e aí sabe como é... Primeiro foi a Camila Bomfim (repórter do g1 e da GloboNews) com aquele ‘furo’, bem entre aspas mesmo, né, depois o UOL e a Folha... E eles (imprensa) estão jogando, estão testando, pra saber qual que é a repercussão, porque eles já sabiam, vocês (Fórum) já tinham dado isso... Eles querem saber qual será a resposta e a postura dos militares em relação a isso... Eu tenho certeza que o pessoal da Inteligência da PF já tem tudo isso monitorado (as matérias publicadas e as reações dos militares). Eles seguem monitorando desde lá de trás.
Fórum – Essas informações prestadas agora na CPI têm, então, um grande peso para os inquéritos que estão no STF sobre os ataques?
Servidor da PF – Aquilo, por exemplo, que o coronel (Jorge Eduardo Naime, da PM-DF) relatou lá, na CPI, de ter tráfico, prostituição, aquela coisa toda lá, os caras (da PF) já sabiam... Agora, tem que acompanhar a CPI pra que soltem mais coisas, principalmente sobre o que se passava no dia a dia lá (no acampamento e nos atos terroristas), mas é certeza que a PF mantém informação disso tudo aí... Precisa ver também o que o (general Augusto) Heleno vai falar, até porque ele foi convocado pra CPI aqui do DF... Ele deve ter o que falar lá... Enfim, todos esses inquéritos estão sendo enviados pro STF, pro (ministro Alexandre de) Moraes, e é provável que ele lá esteja vendo e selecionando... O Moraes vem da época do Temer, dos militares... Foi indicado pelo Temer... Na época (da presidência do STF) do Toffoli teve lá também um assessor de segurança (do STF), que foi o (general Fernando) Azevedo e Silva, enfim... O pessoal sabe como agir com esses generais.
Fórum – Poderia estar em curso uma “operação abafa”, uma espécie de nova anistia a esses militares? Você pensa que pela forma como a coisa vem sendo conduzida, sobretudo em relação aos militares do GSI, mas também aos outros militares envolvidos, a coisa pode parar por aí, no que diz respeito a punições?
Servidor da PF – Veja... Isso é a própria operação política dos militares, que estão atuando abertamente na política, fazendo política... É quase um partido... Até ‘off’ de general a Folha (de S.Paulo) dá todo dia, e sempre lançando notas... Como foi na Lei de Anistia, eles vão querer uma semelhante agora no pós-8 de janeiro.