SÃO PAULO

Sabesp: ativistas seguem presos; Carlos Bolsonaro diz que é "terrorismo" e incita horda

Presidenta estadual do partido Unidade Popular, Vivian Mendes é uma das quatro pessoas que seguem presas. Bolsonarista, secretário de segurança defendeu truculência da PM e chamou ativistas de "vândalos".

Ativistas que foram detidos pela PM em ato contra a privatização da Sabesp; 4 seguem na cadeia.Créditos: Unidade Popular
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Quase doze horas após a aprovação à força do projeto de privatização da Sabesp, com a polícia militar distribuindo pancadaria em manifestantes em plena Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), quatro ativistas antiprivatistas ligados ao partido Unidade Popular (UP).

Segundo informações obtidas pela Fórum, além de Vivian Mendes, presidente estadual da UP, Ricardo Senese e Lucas Carvente, que foram presos na Alesp, a PM de Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos) prendeu ainda Hendryll Luiz durante a madrugada.

Os quatro passarão por uma audiência de custódia no Fórum Criminal da Barra Funda nesta sexta-feira (7), sob pressão do governo do Estado para prisão preventiva dos manifestantes.

Nas redes, o vereador fluminense Carlos Bolsonaro (Republicanos) incitou apoiadores ao exibir um vídeo da prisão de Vivian Mendes e classificando o protesto como "terrorismo".

"O tipo de depredação e ações com riscos de vida iminentes ocorridos ontem na Assembleia Legislativa de SP obviamente foi visto como uma MANIFESTAÇÃO DEMOCRÁTICA e toca o barco na Venezuela do Brasil! Segundo a atual conjuntura isso aí não é terrorismo não! É a mais pura expressão de amor! Tudo não passa de coincidência", escreveu o filho de Bolsonaro com vídeo da prisão da presidenta estadual da UP.

Bolsonaristas buscam ainda relacionar os protestos realizados duante a votação do projeto de privatização da Sabesp aos atos predatórios realizados no 8 de Janeiro em Brasília, quando apoiadores do ex-presidente, que não aceitaram a derrota nas urnas para Lula, invadiram e promoveram a depredação das sedes do Supremo Tribunal Federal (STF), Palácio do Planalto e Congresso Nacional.

Secretário de Segurança Pública de São Paulo, o bolsonarista Guilherme Derrite defendeu nas redes sociais classificou os ativistas como "vândalos" e defendeu a truculência na ação da PM.

"A atuação da PM no tumulto causado por vândalos que tentaram destruir parte do plenário da Alesp foi essencial para a garantia da ordem. Nossas forças de segurança continuam atentas para que o processo democrático, que deve respeitar os limites do diálogo, seja cumprido", escreveu, ressaltando que foram 3 presos em comentário, quando na verdade 4 pessoas estão detidas.

Pancadaria e aprovação à força

O Projeto de Lei 1501/2023, que prevê a privatização da Sabesp, foi aprovado na noite desta quarta-feira (6) na Alesp sem a presença da oposição, por 63 votos a 1, após uma grave pancadaria em que manifestantes contrários ao projeto que tentavam ocupar o plenário foram brutalmente agredidos pela Polícia Militar - saiba como cada deputado votou.

Para passar a valer, o projeto ainda deverá ser discutido na Câmara Municipal de São Paulo, uma vez que a capital paulista representa 44% do faturamento da empresa, que é superavitária. Por lei, quaisquer mudanças na governança da Sabesp podem fazer com que a responsabilidade pelos serviços de esgotamento e saneamento básico passem a ser obrigação do município.

Por volta das 19h, manifestantes desesperados com a iminente aprovação da privatização da Sabesp tentaram ocupar o plenário. Convocada para evacuar o local pelo presidente da casa, a Polícia Militar pediu que jornalistas se retirassem antes de cumprir sua missão da forma que lhe é mais característica: com violência desmedida.

Em suas redes sociais, a deputada Mônica Seixas (PSOL) falou a respeito do episódio. "A policia militar fez um cerco com spray de pimenta e espancou manifestantes. Tudo isso na casa do povo", afirmou ao compartilhar a foto de um manifestante ensanguentado como consequência das agressões policiais. "A tropa de choque do Tarcísio veio com spray, cassetete e disposição pra bater em manifestante e funcionários nas galerias durante a votação da privatização da Sabesp. O governador quer privatizar a Sabesp à força", completou em outra publicação.

Dito e feito. Após o incidente, tanto os manifestantes foram expulsos, como a oposição se retirou do plenário em protesto contra a ação truculenta da PM. E em um plenário vazio, sem a presença do contraditório, e sobrando agradecimentos à ação policial por parte dos parlamentares afins ao governo Tarcísio, a estatal começa a ser entregue ao setor privado. A sessão retornou por volta das 19h45 e encerrou-se cerca de 50 minutos depois.

Vivian Mendes

Vivian Mendes, presidente estadual da Unidade Popular (UP), foi uma das presas na ação da PM. Ela estava com um grupo de manifestantes que vinha comparecendo na casa legislativa nas últimas semanas para protestar contra a aprovação do PL.

Na mídia liberal, Vivian foi definida como ex-candidata ao Senado por São Paulo nas últimas eleições. E somente isso. Na ocasião, ela recebeu 280 mil votos e não foi eleita.

No entanto, Vivian Mendes é muito mais do que uma ex-candidata que acabou detida em um protesto. Aos 42 anos ela carrega uma enorme trajetória de luta - desde o berço na periferia da zona leste de São Paulo. Filha de operários nordentinos, se formou no ensino médio técnico e trabalha desde os 16 anos. Já adulta, cursou e se formou em Comunicação Social pela Unesp.

Começou sua militância ainda bem jovem, nas comunidades eclesiais de base. Em seguida passou pelo Movimento de Luta nos Bairros e pelo Movimento de Mulheres Olga Benário. Em 2020, quando entrevistada pelo jornal A Verdade [veículo da própria UP], ela falava sobre a construção do partido.

“Em São Paulo estamos construindo os núcleos da UP principalmente nas periferias e nas regiões de grande concentração da classe trabalhadora, que são onde nossos militantes residem e trabalham. Jardim Pantanal, Lajeado, São Miguel, Brasilândia, Pirituba, Jaguaré, Brás e outros. Por aí os núcleos estão se organizando e se fortalecendo”, declarou à época.

Naquele momento ela apontava que entre as principais preocupações da UP, ao lado da luta por moradia e em defesa do SUS, constava a luta contra a privatização da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).

“São Paulo é uma cidade dominada pelos interesses do capital, dos especuladores, dos banqueiros.  A cidade está sendo toda privatizada, praticamente entregue gratuitamente para aumentar os lucros dos empresários, que são amigos dos poderosos. O número de pessoas vivendo nas ruas cresce exponencialmente. A reforma da previdência do município é uma vergonha, enfraquece os serviços públicos essenciais à população, principalmente a mais pobre”, declarou em outro trecho da entrevista.

Entre as pautas que têm defendido publicamente está a retomada dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, que busca punir os agentes da ditadura civil-militar instalada em 1964 no país que cometeram crimes contra a humanidade, como a tortura. Nesse sentido, foi assessora da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo - que por sua vez foi crucial para a instalação da CNV.

"Fizemos a campanha contra a impunidade do Estado; que manteve impune os torturadores da ditadura e que mantém até hoje impune a polícia que mata e oculta cadáveres”, disse em entrevista ao Jacobin Brasil.

E nesse sentido, relacionando a impunidade de ontem com a de hoje, Vivian tem feito consistentes defesas públicas da punição aos crimes do Governo Bolsonaro e do bolsonarismo no Brasil, em especial os cometidos durante a pandemia de Covid-19.

"Nós temos que lembrar, para deixar claro já no começo, que existem provas documentais para apontar os crimes cometidos por (Jair) Bolsonaro. Como as fake news são uma coisa muito presente, às vezes a gente meio que acredita que faltam elementos, mas eu queria resgatar aqui que, no ano passado, nós tivemos o Tribunal Permanente dos Povos, que aconteceu aqui em São Paulo e em Roma ao mesmo tempo, que julgou os crimes de Bolsonaro durante a pandemia, porque nós podemos falar de vários crimes, mas vamos falar desse para simplificar. Esses crimes estão documentados a partir de uma CPI que já aconteceu,” declarou no último mês de julho ao Opera Mundi.

Veja imagens da ação truculenta da PM