A operação da Polícia Federal teria descoberto a partir de depoimento do advogado Frederick Wassef que o relógio Rolex, vendido e recomprado por associados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), passou pelo sítio de Atibaia onde Wassef escondeu Fabrício Queiroz, pivô do esquema das rachadinhas do gabinete de Flávio Bolsonaro (PL).
O relógio veio em um estojo de joias entregue pelas autoridades da Arábia Saudita na viagem oficial de outubro de 2019. O Rolex foi vendido em junho de 2022 pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator de crimes do ex-presidente, que declarou que não sabia que estavam sendo vendidos ilegalmente. Ele entregou o dinheiro da compra em mãos para Bolsonaro.
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Em março de 2023, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou a restituição dos bens recebidos pela comitiva do ex-presidente em outubro de 2019, na Arábia Saudita. De acordo com o documento expedido (TC 003.679/2023-3), a representação se deu pelo recebimento de presentes de elevado valor, que extrapolam o "propósito meramente simbólico do ato protocolar".
O subitem 9.3.2 determina à Secretaria-Geral da Presidência da República que "requisite da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil o conjunto de joias retido pela autoridade alfandegária, para fins de incorporação ao patrimônio público, tendo em vista a inquestionável natureza de bem público de elevado valor, insusceptível de incorporação em acervo privado".
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Diante da ofensiva da Polícia Federal sobre o escândalo das joias, os aliados de Bolsonaro voltaram seus esforços para recomprar e repatriar os itens, com o objetivo de evitar mais dificuldades com a PF. Segundo a polícia, o valor de compra foi maior do que o de venda: o Rolex foi vendido por 68 mil dólares (R$ 334 mil) na loja Precision Watches, localizada na cidade de Willow Grove, na Pensilvânia.
De acordo com o relato de Wassef, o pedido de recompra e repatriação partiu de Fabio Wajngarten, secretário de Comunicação da Presidência no governo Bolsonaro e um dos advogados do ex-presidente no caso das joias. Wajngarten teria justificado com a possibilidade de expedição do TCU de devolução dos presentes recebidos.
Wajngarten teria, então, efetuado ligações em múltiplas ocasiões para Wassef na tentativa de garantir que o resgate dos bens seria executado sem levantar suspeitas. Wassef juntou dinheiro vivo e dirigiu-se à Precision Watches, onde recomprou o relógio. Em seguida, rumou ao Brasil via Nova York.
O secretário pediu que Frederick Wassef voltasse com o Rolex em mãos, pedido que foi negado por ele sob a justificativa de que ele poderia ser reconhecido como pessoa pública. Wajngarten decidiu que um outro brasileiro, conhecido dele, viajaria com o relógio dos Estados Unidos ao Brasil.
O relógio foi entregue pelo portador no sítio de Atibaia a Wassef, que o repassou a Mauro Cid. Foi nesta casa do interior paulista que, em junho de 2020, o ex-assessor Fabrício Queiroz ficou abrigado por meses e foi preso pelo Departamento de Operações Policiais Estratégicas (Dope), da Polícia Civil de São Paulo.
Na época, emparedado com sua participação na guarida, Wassef alegou que permitiu o abrigo de Queiroz em uma de suas propriedades "por questões humanitárias", sob justificativa de que o ex-assessor estaria "jurado de morte por forças ocultas".
Mauro Cid está preso preventivamente no Batalhão do Exército de Brasília desde 3 maio de 2023 pela investigação de um esquema de fraude no cartão de vacina, envolvimento no escândalo das joias sauditas e é alvo de inquérito sobre a organização de atos golpistas.
Possibilidade de prisão de Bolsonaro
A operação da PF aponta suspeita de uso da estrutura do governo federal por parte de Bolsonaro para desvio de presentes de alto valor. Com o recebimento e venda de joias e presentes de autoridades estrangeiras, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), apontou que Bolsonaro pode estar envolvido com crimes como peculato e lavagem de dinheiro.
Bolsonaro pode ser preso por peculato pois teria enriquecido com a venda dos presentes, que ao invés de serem considerados bens públicos, foram registrados como acervo privado do então presidente. O crime de peculato é configurado como a apropriação de dinheiro, valor ou bem público por parte de um funcionário público, que teria a posse destes itens devido ao cargo.
Em 2016, o Tribunal de Contas da União estabeleceu que "itens de natureza personalíssima ou de consumo direto" não precisariam ser incorporados ao acervo patrimonial da Presidência da República.
O ex-presidente pode ser penalizado com três a dez anos de prisão, além de multa, por lavagem de dinheiro, caso oculte a natureza, localização, disposição, movimentação e propriedade de bens ou valore provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
Por fim, existe a possibilidade de acusação por descaminho, crime de desvio de mercadorias para evitar tributação. A PF viu "indícios de que alguns presentes recebidos por Jair Messias Bolsonaro em razão do cargo teriam sido desviados sem sequer terem sido submetidos à avaliação do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência da República", órgão responsável pela documentação do acervo do cargo.