SÃO PAULO

Ricardo Nunes é denunciado ao MP por propaganda milionária em jornais de bairro

Contratos somam R$ 16,5 milhões; Prefeito conhece o setor, ele fundou aos 18 anos, na década de 1980, o jornal “A Hora da Ação” que atendia a região de Interlagos, na zona sul da capital

Ricardo Nunes (MDB).Prefeito de São Paulo e pré-candidato às eleições de 2024Créditos: Reprodução/Governo de SP
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Após as revelações de que a Prefeitura de São Paulo, encabeçada pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), fechou contratos que somam R$ 16,5 milhões para veicular propaganda da gestão municipal em jornais de bairro, o vereador Celso Gianazzi, o deputado estadual Carlos Gianazzi e a deputada federal Luciene Cavalcante, todos do Psol, acionaram o Tribunal de Contas do Município (TCM), o Ministério Público Eleitoral (MPE) e o Ministério Público de SP (MP) para investigar as denúncias.

Os órgãos agora apuram tais gastos públicos. A petição enviada pelos parlamentares faz questionamentos que também estão presentes em matérias da imprensa que cobrem os gastos da prefeitura com publicidade maquiada de jornalismo. Sobretudo as do The Intercept, que apurou a própria relação com os jornais de bairro e com a Folha de São Paulo, e as da Revista Fórum que apurou as propagandas no Estadão e no jornal O Globo. Ainda que os contratos com os jornalões não sejam os mesmos dos jornais de bairro, alguns questionamentos sobre a falta de transparência coincidem.

Entre os questionamentos no caso dos jornais de bairro pede-se o detalhamento do tipo de publicidade que foi veiculada, a tiragem dos veículos e os critérios utilizados na escolha dos parceiros. Tudo isso está muito nebuloso e carece de informação.

Além disso, as petições também apontam para as ligações que Nunes com sócios e colunistas de jornais de bairro, que publicam conteúdo altamente favorável à sua gestão. A suspeita dos parlamentares é de que tenha havido violações dos princípios da impessoalidade, da legalidade e da moralidade nos gastos públicos. Agora os órgãos devem convocar a Prefeitura para prestar esclarecimentos.

Pagamentos a jornais de bairro

De olho nas eleições municipais de 2024, o prefeito de São Paulo Ricardo Nunes (MDB) tem feito uma série de investimentos, através de contratos da própria Prefeitura, em publicidade maquiada como jornalismo de utilidade pública não apenas nos principais jornais do Brasil, mas também em jornais de bairro, distribuídos gratuitamente na capital paulista.

Segundo reportagem de Paulo Motoryn, publicada no The Intercept Brasil, foram R$ 16,5 milhões, ao longo do atual mandato, entregues a publicações dessa natureza. Em 2021 foram R$ 4,3 milhões. Em 2022, R$ 8,5 milhões. E em 2023, de janeiro a julho, o montante está na casa dos R$ 3,7 milhões. Ao todo, são cerca de 48 jornais de bairro beneficiados com os contratos que preveem, em troca, a veiculação de anúncios e publieditoriais.

O texto ainda explica que as informações derivam de um levantamento no Portal da Transparência e nas prestações de contas dos contratos assinados com a Propeg e a Mworks, agências de publicidade que fazem o meio de campo entre a Prefeitura e os meios de comunicação. A Propeg também atua, por exemplo, no caso da Folha. Segundo o The Intercept, os contratos que previam valores de R$ 160 milhões, passaram a acordar R$ 200 milhões cada um após aditamento realizado em abril. O Ministério Público investiga o aumento.

Ao todo, o site listou 36 capas de jornais de bairro produzidos por empresas que assinaram tais contratos. 30 delas são positivas em relação a Ricardo Nunes. Diferente dos casos dos sites dos jornalões, esses jornais de bairro são impressos e distribuídos gratuitamente. As edições que fazem referência ao prefeito na capa soam como verdadeiros panfletos. Se não irregular, certamente é deselegante.

Uma curiosidade a respeito do caso é que o próprio Ricardo Nunes fundou, aos 18 anos na década de 1980, o jornal “A Hora da Ação”. A publicação atendia a região de Interlagos, na zona sul da capital. Foi exatamente nessa região que se elegeu vereador por dois mandatos e lançou-se na carreira política.

Outra curiosa coincidência diz respeito à JBA – Jornais de Bairro Associados. A empresa, que foi a maior beneficiada dos contratos com a Prefeitura,recebendo R$ 969 mil nos últimos dois anos, também conta com uma série de aliados de Ricardo Nunes entre seus colunistas. De acordo com seu site, a JBA é responsável por pelo menos 8 jornais de bairro: Moema News, Brooklin News, Butantã-Pinheiros, Campo Belo, Higienópolis News, Jornal dos Jardins-Itaim Bibi-Rua Augusta, Jornal do Morumbi e Jornal da Zona Sul. O mesmo conteúdo é replicado em todos, com pequenas variações.

Veja o que já se sabe sobre as publicações em três jornais tradicionais

Estadão Expresso São Paulo

Só para o Estadão, a Revista Fórum apurou que a Prefeitura paga quase R$ 800 mil mensais para a publicação dos conteúdos no canal Estadão Expresso São Paulo. As matérias têm apenas a roupagem e o formato de uma matéria jornalística que aborda questões de utilidade pública, enquanto que nas entrelinhas, e não apenas nelas, mas na própria elaboração, se tratam de conteúdos publicitários e elogiosos à atual gestão.

Em matéria publicada no último 5 de setembro na Revista Fórum, o jornalista Luiz Carlos Azenha detalha a experiência do leitor que acessa o canal. Ou melhor, o “portal de conteúdos temáticos sobre tudo o que a cidade de São Paulo oferece pra você”.

“A linguagem copia a informalidade forçada da TV Globo, que adotou o ‘pra’ em busca do público do YouTube. E o anúncio traz um código de barras, para quem quiser receber as ‘notícias’ por WhatsApp. Os textos simulam a esterilidade de uma enfermaria: ‘como funciona o centro de adoção de animais’ e ‘alunos de ensino infantil da zona sul têm aulas de golfe’, são exemplos de manchetes. Só no canto inferior direito do anúncio está escrito, em letra miúda: Parceria. Embaixo, o símbolo da Prefeitura de São Paulo,” descreveu Azenha.

Ou seja, quem acessar o site pela internet também ficará com a impressão, falsa, de que se trata de material jornalístico. Só o leitor que for até o final da página conseguirá finalmente ler o seguinte anúncio: “O Estadão Expresso São Paulo é produzido pelo Estadão com foco em prestação de serviços, com criação de Estadão Blue Studio e em parceria de fornecimento de conteúdo com a Prefeitura da Cidade de São Paulo”.

“O link remete ao Portal da Prefeitura, que no dia primeiro de setembro tinha como uma das quatro manchetes: ‘Recapeamento: R$ 1 bilhão investidos para tornar a mobilidade urbana mais segura’. Em outras palavras, trata-se de propaganda política antecipada e disfarçada do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que tenta a reeleição. Segundo pesquisa Datafolha, Nunes aparece com 24% da preferência do eleitorado, contra 32% de Guilherme Boulos (Psol),” diz outro trecho da matéria de Azenha.

Estúdio Folha

Em reportagem publicada no The Intercept Brasil, o repórter Paulo Motoryn obteve os contratos assinados entre a Prefeitura de São Paulo, a Folha de São Paulo e a agência de publicidade Propeg, que preveem a publicação dos conteúdos elogiosos em canal dentro do site da Folha chamado ‘Estúdio Folha’.

De acordo com a apuração do jornalista, os contratos da Prefeitura com a Propeg estão na ordem de R$ 200 milhões e são investigados pelo Ministério Público. Intermediadora da parceria entre Folha e Prefeitura, a Propeg repassou ao jornal R$ 500 mil em 2022 e R$ 2,3 milhões nesse ano.

Entre julho e agosto, foram publicadas pelo menos 60 reportagens elogiosas à gestão de Ricardo Nunes que podem ser facilmente interpretadas como propaganda eleitoral antecipada. Motoryn apontou, em sua reportagem, que a Folha sequer indicava que os conteúdos seriam publicitários, em prática que induz o leitor ao erro.

Após a publicação da matéria a Folha alterou o layout dos conteúdos corrigindo a indução ao engano apontada pelo jornalista. No entanto, seu Ombudsman acusou o repórter de fazer “inferências sem apontar nada de concreto”. Dias mais tarde, o The Intercept Brasil publicou nova matéria expondo os contratos na íntegra em seu site, obtidos via Lei de Acesso à Informação.

“E tem mais. O repórter Paulo Motoryn recebeu outro documento com detalhes sobre os pagamentos feitos por outra agência, a MWorks. Lá constam mais pagamentos à Folha: R$ 146.722,22 em ‘projeto especial’, ‘inserção de banners’, ‘branded pages’ e ‘mídias de divulgação’ em 2022. Neste ano, a MWorks ainda intermediou o pagamento de um anúncio relacionado à Virada Cultural no valor de R$ 213.750,00.”, diz trecho da matéria assinada por Tatiana Dias que revelou os contratos entre Prefeitura de São Paulo, a Propeg e a Folha.

O Globo – Metrópole

Assim como os canais Estúdio Folha e Estadão Expresso São Paulo, com os quais os seus concorrentes paulistas publicam as matérias da Prefeitura, o jornal O Globo criou o canal Metrópole, dentro do seu site, para o mesmo fim. O tom é o mesmo das outras parcerias: textos em formato jornalístico, com linguagem amena e toques de utilidade pública para “noticiar” de forma elogiosa uma série de pormenores da gestão paulistana.

“Bicicleta é alternativa sustentável de mobilidade urbana e conexão com transporte público”, diz o título de matéria publicada na sessão em primeiro de setembro. A linha fina aponta a origem da informação: “Prefeitura de São Paulo lança programa de empréstimo gratuito de bicicleta e aumenta em mais 300 quilômetros a malha cicloviária até o fim de 2024; hoje são 722 quilômetros, a maior de todo país”.

Já a primeira matéria da sessão, publicada em 30 de junho deste ano, diz na chamada: “Um novo Centro para a cidade de São Paulo: Ações da Prefeitura, diálogo com a sociedade e parceria com o setor privado geram onda inédita de investimentos na região.” O texto – publicado em momento de acalorados debates sobre o futuro da chamada ‘cracolândia’ – já começa com um elogio, anunciando que a capital paulista teria encontrado um “caminho eficaz” para “revitalizar” o centro da cidade de forma “sustentável”. Bem, basta caminhar pelas ruas da cidade para constatar a irrealidade de tal narrativa.

O que muda em relação às demais parcerias são basicamente dois aspectos. O primeiro é que se trata de uma publicação semanal, diferente do que ocorre nos jornais paulistas em que diversos conteúdos são publicados no mesmo intervalo de tempo.

Outra diferença está nos ‘chapéus’ das matérias, que apontam claramente tratar-se de conteúdo pago. No campo da autoria do conteúdo, consta a própria Prefeitura de São Paulo como autora. No entanto, no rodapé da página não há maiores informações sobre a parceria como ocorre nos sites da Folha e do Estadão.

A Revista Fórum também questionou Prefeitura de São Paulo, via Lei de Acesso à Informação, sobre os valores pagos ao jornal O Globo. Leia, a seguir, a resposta, também assinada por Affonso Prado Filho, Chefe de Gabinete da Secretaria Especial de Comunicação.

"Com relação ao jornal O Globo, informamos que a tratativa realizada pela Prefeitura de SP em decorrência do seu apoio institucional a eventos, tem como contrapartida, não onerosa, espaço publieditorial para divulgação e promoção de turismo e lazer na cidade de São Paulo, aos munícipes interessados."