ELEIÇÕES 2024

Toninho Vespoli aciona MP contra Ricardo Nunes por publicidade maquiada como jornalismo

Prefeitura de São Paulo paga quase R$ 800 mil mensais ao Estadão; à Folha foram R$ 2,3 milhões no primeiro semestre. Conteúdos se justificam como “utilidade pública” mas confundem leitor quanto a suposto caráter jornalístico

Ricardo Nunes (MDB), prefeito de São Paulo.Créditos: Divulgação/Alesp
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O vereador de São Paulo Toninho Véspoli (Psol) acionou o Ministério Público contra o prefeito Ricardo Nunes (MDB) nesta sexta-feira (22). A representação pede investigação e explicações públicas do mandatário, que é pré-candidato às eleições de 2024 e tem despendido gastos milionários para financiar conteúdos publicitários com verniz jornalístico nos principais jornais do país.

Só para o Estadão, a Revista Fórum apurou que a Prefeitura paga quase R$ 800 mil mensais para a publicação dos conteúdos no canal Estadão Expresso São Paulo. As matérias têm apenas a roupagem e o formato de uma matéria jornalística que aborda questões de utilidade pública, enquanto que nas entrelinhas, e não apenas nelas, mas na própria elaboração, se tratam de conteúdos publicitários e elogiosos à atual gestão.

“Não bastasse a descaradez em investigar verba pública na sua campanha antecipada, a maneira pela qual isso está sendo feito fere o senso comum. As propagandas têm aparência de notícia, se o leitor não observar atentamente, pode achar que é uma matéria espontânea do jornal, e não matéria paga,” escreveu na representação.

Toninho Véspoli citou a matéria da Fórum em suas redes sociais para mostrar indignação com a recente prática da Prefeitura de São Paulo.

À Folha foram pagos, pelo mesmo serviço, R$ 500 mil em 2022 e R$ 2,3 milhões no primeiro semestre de 2023. Os dados foram obtidos pelo The Intercept Brasil. Enquanto isso, a primeira pesquisa Datafolha para as eleições de 2024 mostra Nunes com 24% da preferência do eleitorado, contra 32% de Guilherme Boulos (Psol).

“Não se pode admitir que a gestão municipal utilize meios ardilosos para ludibriar o homem médio. Se até durante a campanha eleitoral as propagandas devem conter o CNPJ do candidato, número de tiragem e outros critérios que deixem bem explícito tratar-se de propaganda, imagine durante a pré-campanha do prefeito em exercício”, diz outro trecho da representação.

Toninho Véspoli também chama a atenção para a falta de transparência que, na sua opinião, é uma marca da gestão de Ricardo Nunes. “O valor dos contratos firmados com a agência Propeg e MWorks era, inicialmente, de R$ 160 milhões e saltou para R$ 200 milhões. Questionamos o Secretário Especial de Comunicação, Marcelo Antonio D’Angelo, o motivo dessa alteração, mas não obtivemos respostas,” registrou.

O parlamentar encerra a representação pedindo que o Ministério Público apure e tome as providências cabíveis a respeito de eventuais irregularidades.

Veja o que já se sabe sobre as publicações em três jornais tradicionais

Estadão Expresso São Paulo

Em matéria publicada no último 5 de setembro na Revista Fórum, o jornalista Luiz Carlos Azenha detalha a experiência do leitor que acessa o canal. Ou melhor, o “portal de conteúdos temáticos sobre tudo o que a cidade de São Paulo oferece pra você”.

“A linguagem copia a informalidade forçada da TV Globo, que adotou o ‘pra’ em busca do público do YouTube. E o anúncio traz um código de barras, para quem quiser receber as ‘notícias’ por WhatsApp. Os textos simulam a esterilidade de uma enfermaria: ‘como funciona o centro de adoção de animais’ e ‘alunos de ensino infantil da zona sul têm aulas de golfe’, são exemplos de manchetes. Só no canto inferior direito do anúncio está escrito, em letra miúda: Parceria. Embaixo, o símbolo da Prefeitura de São Paulo,” descreveu Azenha.

Ou seja, quem acessar o site pela internet também ficará com a impressão, falsa, de que se trata de material jornalístico. Só o leitor que for até o final da página conseguirá finalmente ler o seguinte anúncio: “O Estadão Expresso São Paulo é produzido pelo Estadão com foco em prestação de serviços, com criação de Estadão Blue Studio e em parceria de fornecimento de conteúdo com a Prefeitura da Cidade de São Paulo”.

“O link remete ao Portal da Prefeitura, que no dia primeiro de setembro tinha como uma das quatro manchetes: ‘Recapeamento: R$ 1 bilhão investidos para tornar a mobilidade urbana mais segura’. Em outras palavras, trata-se de propaganda política antecipada e disfarçada do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que tenta a reeleição. Segundo pesquisa Datafolha, Nunes aparece com 24% da preferência do eleitorado, contra 32% de Guilherme Boulos (Psol),” diz outro trecho da matéria de Azenha.

Estúdio Folha

Em reportagem publicada no The Intercept Brasil, o repórter Paulo Motoryn obteve os contratos assinados entre a Prefeitura de São Paulo, a Folha de São Paulo e a agência de publicidade Propeg, que preveem a publicação dos conteúdos elogiosos em canal dentro do site da Folha chamado ‘Estúdio Folha’.

De acordo com a apuração do jornalista, os contratos da Prefeitura com a Propeg estão na ordem de R$ 200 milhões e são investigados pelo Ministério Público. Intermediadora da parceria entre Folha e Prefeitura, a Propeg repassou ao jornal R$ 500 mil em 2022 e R$ 2,3 milhões nesse ano.

Entre julho e agosto, foram publicadas pelo menos 60 reportagens elogiosas à gestão de Ricardo Nunes que podem ser facilmente interpretadas como propaganda eleitoral antecipada. Motoryn apontou, em sua reportagem, que a Folha sequer indicava que os conteúdos seriam publicitários, em prática que induz o leitor ao erro.

Após a publicação da matéria a Folha alterou o layout dos conteúdos corrigindo a indução ao engano apontada pelo jornalista. No entanto, seu Ombudsman acusou o repórter de fazer “inferências sem apontar nada de concreto”. Dias mais tarde, o The Intercept Brasil publicou nova matéria expondo os contratos na íntegra em seu site, obtidos via Lei de Acesso à Informação.

“E tem mais. O repórter Paulo Motoryn recebeu outro documento com detalhes sobre os pagamentos feitos por outra agência, a MWorks. Lá constam mais pagamentos à Folha: R$ 146.722,22 em ‘projeto especial’, ‘inserção de banners’, ‘branded pages’ e ‘mídias de divulgação’ em 2022. Neste ano, a MWorks ainda intermediou o pagamento de um anúncio relacionado à Virada Cultural no valor de R$ 213.750,00.”, diz trecho da matéria assinada por Tatiana Dias que revelou os contratos entre Prefeitura de São Paulo, a Propeg e a Folha.

O Globo – Metrópole

Assim como os canais Estúdio Folha e Estadão Expresso São Paulo, com os quais os seus concorrentes paulistas publicam as matérias da Prefeitura, o jornal O Globo criou o canal Metrópole, dentro do seu site, para o mesmo fim. O tom é o mesmo das outras parcerias: textos em formato jornalístico, com linguagem amena e toques de utilidade pública para “noticiar” de forma elogiosa uma série de pormenores da gestão paulistana.

“Bicicleta é alternativa sustentável de mobilidade urbana e conexão com transporte público”, diz o título de matéria publicada na sessão em primeiro de setembro. A linha fina aponta a origem da informação: “Prefeitura de São Paulo lança programa de empréstimo gratuito de bicicleta e aumenta em mais 300 quilômetros a malha cicloviária até o fim de 2024; hoje são 722 quilômetros, a maior de todo país”.

Já a primeira matéria da sessão, publicada em 30 de junho deste ano, diz na chamada: “Um novo Centro para a cidade de São Paulo: Ações da Prefeitura, diálogo com a sociedade e parceria com o setor privado geram onda inédita de investimentos na região.” O texto – publicado em momento de acalorados debates sobre o futuro da chamada ‘cracolândia’ – já começa com um elogio, anunciando que a capital paulista teria encontrado um “caminho eficaz” para “revitalizar” o centro da cidade de forma “sustentável”. Bem, basta caminhar pelas ruas da cidade para constatar a irrealidade de tal narrativa.

O que muda em relação às demais parcerias são basicamente dois aspectos. O primeiro é que se trata de uma publicação semanal, diferente do que ocorre nos jornais paulistas em que diversos conteúdos são publicados no mesmo intervalo de tempo.

Outra diferença está nos ‘chapéus’ das matérias, que apontam claramente tratar-se de conteúdo pago. No campo da autoria do conteúdo, consta a própria Prefeitura de São Paulo como autora. No entanto, no rodapé da página não há maiores informações sobre a parceria como ocorre nos sites da Folha e do Estadão.

A Revista Fórum também questionou Prefeitura de São Paulo, via Lei de Acesso à Informação, sobre os valores pagos ao jornal O Globo. Leia, a seguir, a resposta, também assinada por Affonso Prado Filho, Chefe de Gabinete da Secretaria Especial de Comunicação.

"Com relação ao jornal O Globo, informamos que a tratativa realizada pela Prefeitura de SP em decorrência do seu apoio institucional a eventos, tem como contrapartida, não onerosa, espaço publieditorial para divulgação e promoção de turismo e lazer na cidade de São Paulo, aos munícipes interessados."