Imagine a seguinte situação. O campeonato mundial de boxe da categoria pesos-pesados está sendo disputado numa luta de muitos rounds. Nela, um dos lutadores joga sujo, dá cotoveladas e usa até soco-inglês escondido dentro da luva da mão direita. Está disposto a fazer o que for necessário para vencer; “que se dane a ética e o fair play”, pensa ele. O outro, que é canhoto, também poderia jogar sujo, mas escolheu até agora jogar limpo, dentro das regras. E embora tenha vencido o último round disputado, esse atleta provavelmente perderá o próximo – e a luta - se não aderir, também ele, ao jogo sujo.
Esta metáfora se refere, é claro, ao atual estado da política brasileira, onde quem usa fake news tem levado grande vantagem sobre aqueles que insistem em jogar segundo as regras eleitorais estabelecidas. E quanto mais acirrada for a disputa eleitoral, como deve acontecer em 2026 a exemplo do que já foi em 2022, mais importância a fake news terá no resultado da eleição.
As eleições de 2026 deverão ser mais um triste teste de stress da democracia brasileira. Muita coisa está em jogo e já ficou claro que nem o público eleitor estará vacinado contra as mentiras, nem o juiz do combate terá condições de forçar o lutador sujo a seguir as regras.
Está colocada diante da esquerda a urgência de tomar uma decisão difícil e optar entre dois caminhos; nenhum dos quais será suave. Se decidirem por continuar a jogar limpo, os esquerdistas permanecerão em paz com suas consciências, tendo a certeza de estar dentro da tradição iluminista de combater as trevas com a luz. Claro que, caso percam ao seguir esse caminho, colocarão em grande risco o legado civilizatório de Lula e FHC e a própria democracia brasileira (que, já vimos, é muito frágil).
Se decidir-se por aderir ao jogo sujo e a usar fake News de forma maciça e profissional, como faz a direita, a esquerda jogará um jogo político mais equilibrado, aumentando bastante suas chances de vitória. Porém, se afastará de suas raízes éticas e, talvez, se desfigurará de forma irreversível.
E você, leitor, leitora? O que faria nesse caso? Seguiria fiel a ética e à boa moral, já que “é melhor perder jogando limpo do que ganhar roubando,” ou descambaria para a baixaria, pois “é melhor vencer feio do que perder bonito”?
Finalizo com o pensador e político Niccoló Machiavelli (1469—1527), ele mesmo uma vítima das mudanças dos ventos políticos em seu tempo. Em 1513 o florentino escreveu: "Feliz é o príncipe (lutador) que ajusta seu modo de proceder aos tempos, e é infeliz aquele cujo proceder não se ajusta aos tempos." (citado por Francisco Weffort em “Os Clássicos da Política,” Editora Ática).
Até a próxima coluna.
PS: Depois da aposentadoria de Angela Merkel, a morte do Papa Francisco priva a Europa de seu último estadista, no estilo daqueles grandes líderes do século XX. O continente agora é governado por gente do mercado financeiro (Macron, França), burocratas (Starmer, Inglaterra) e protonazistas (Erdogan, na Turquia, e Orbán, na Hungria, entre outros que se avizinham). Triste momento para o berço da civilização ocidental.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.