Uma roteirista, por mais criativa que seja, dificilmente escreveria o ano de 2025 para os cinemas brasileiros com tamanha ousadia. E olha que o ano está só começando. A passagem no Oscar 2025, fez jus à frase: “nunca antes na história desse país”, que tanto ouvimos nos últimos anos. Sim, ao menos no exterior, somos chegados a uma auto-estima elevada pela sorte de nascer brasileiros, o que nos torna resistentes e, arriscaria dizer, capazes de fazer com que o Oscar não seja mais o mesmo depois da indicação de “Ainda Estou Aqui”. O alvoroço causado por uma campanha promocional aguerrida, um governo afirmativo do seu papel na cultura e um povo em busca de uma heroína, foi uma combinação perfeita para fazermos história.
No seu discurso de premiação, o diretor Walter Salles agradeceu ao time da Sony Pictures, e não foi gratuito: estamos diante de um case de marketing decisivo para nos colocar em um patamar nunca visto para um filme brasileiro. No extremo oposto, a Netflix se viu em uma gestão de crise com o filme “Emília Pérez”, que mostrou que a máxima “falem mal, mas fale de mim” nem sempre funciona. Mesmo consagrado pelo “César”, maior prêmio dos cinemas franceses, que aconteceu na última sexta-feira - sendo indicado para treze categorias e arrematado sete entre as principais -, “Emília Pérez” ficou com três estatuetas discretas no Oscar: Música Original, Atriz Coadjuvante e Visagismo/Maquiagem.
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Já no Brasil, em apenas uma semana, fomos - nos últimos dias nos tornamos um plural instantâneo - indicados a três categorias de destaque do Oscar e levamos o inédito “Melhor Filme Estrangeiro”, além de termos tido a atriz mais carismática e midiatizada desta edição. Se já não bastasse, na última semana, fomos anunciados como o país de honra do Marché du Film de Cannes, sendo o anfitrião da festa oficial da Noite de Abertura na icônica Plage des Palmes – o espaço conjunto do Festival de Cannes e do Marché, o maior mercado de negócios do cinema do mundo. Isso tudo, em plena Temporada do Brasil na França e da França no Brasil, marcando os 200 anos de relações bilaterais.
No cinema chamamos isso de “turning point”. Aquele momento do filme em que a história vira, e nem sempre os personagens são o que parecem. Todo bom roteiro deve ter esse ponto de virada, que prende o espectador e quebra a previsibilidade, que apenas as novelas mais inventivas conseguem escapar. Pois não é que o Brasil, que até então não havia ganho sequer uma estatueta do Oscar, com uma produção filmada no país, falada em português e dirigida por um brasileiro, caiu na boca do povo, na mesa do bar, no tapete vermelho?
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Em tempos de validação online e instantânea e em uma indústria que se fez e faz através da cultura das celebridades, prêmios e críticas, ser a bola da vez não é pouca coisa. Ver o The Guardian concedendo nota máxima ao filme e dizer que a Fernanda Torres merecia a estatueta, tem um gosto de "backwash" como diria Frantz Fanon, do colonizado voltando ao colonizador por cima. Podemos gostar ou não do filme, como aliás foi o caso da crítica do Le Monde, mas dizer que passamos discretos, está muito longe.
Agora é acertar o figurino, como bem fez Fernanda Torres por onde passou durante a campanha do Oscar, ou, na linguagem do marketing, “empacotar” bem os nossos filmes para a Croisette de Cannes. O Festival de Cannes está anunciado para de 13 a 24 de maio. Antes, acontece em Paris, o Festival dos Cinemas Brasileiros, de 29 de abril a 07 de maio, que, conectado com o momento de ouro dos cinemas brasileiros, traz de volta o seu mercado para apresentação no nosso catálogo de filmes para distribuidores e difusores franceses. Parece que, enfim, aprendemos a lição: não basta ter um bom filme, é preciso fazer barulho.
*Liliane Mutti é cineasta e vive entre o Brasil e a França. Com cinco filmes lançados ("Miúcha, a voz da Bossa Nova", "Elle, Marielle Franco", "Madeleine à Paris", entre outros), ela é conselheira da BRAVI - Brasil Audiovisual Independente - para coprodução internacional Brasil-Europa.