Na segunda quinzena de outubro, o filme Salut, mes ami.e.s !, que no Brasil recebeu o título de Salve, amigues! chega ao público brasileiro, através da circulação do FESTin, festival de cinema itinerante da língua portuguesa. Esse filme livremente inspirado em High School (1968) de Frederick Wiseman, será exibido no Rio de Janeiro no Centro Cultural da Caixa. No mesmo mês, o cineasta americano, na ativa aos 93 anos, participou de uma sessão conduzida por Daniel Zarvos, fotógrafo e produtor do Salve, amigues!, pelas comemorações do aniversário de 20 anos do Centro Internacional Les Récollets, em Paris, local em que convivemos os três em residência artística em 2021.
Acompanhando a conversa de Wiseman, conhecido por retratar as instituições americanas e mais recentemente francesas, foi impossível não pensar sobre as nossas instituições. Como deixamos o projeto do CIEP (Centros Integrados de Educação Pública) ser sabotado no Rio de Janeiro, quando eles poderiam ter se espalhado por todo Brasil? No filme Salve, amigues!, dentro de um olhar da escola cinematográfica wisemaniana, foco na instituição do CIEP 449 - Governador Leonel de Moura Brizola - Intercultural Brasil França. Essa escola resiste e insiste em um projeto educacional bilíngue, público, integral e comum. Essa última característica “comum” significa dizer que há uma real mistura de classes nesse ambiente escolar.
Salve, amigues! estreou em Lisboa em julho deste ano, com o curioso título de "Salve, malta!”, que em português de Portugal significa algo como “Salve, galera!”. A tradução me parece apropriada porque o espírito de grupo nessa escola, que o filme busca retratar, convive com as singularidades dos personagens diante do rito de passagem do último ano da escola. E a partir de agora, o que nos espera fora dos muros da escola?
Sim, esse é um filme do gênero escola e é muito simbólico que seja selecionado para um festival de cinema generalista. O FESTin tem uma curadoria a partir de filmes unidos pela lusofonia e, no nosso caso, um filme falado em português e francês, que leva para as telas a língua viva, hibridizada, a partir de um ambiente escolar criativo. O filme é conduzido pelos estudantes, mas a pergunta que busca provocar é: como as instituições brasileiras, em especial a escola pública, podem e devem abrir o mundo para os jovens brasileiros?
Assistindo o encontro de Wiseman e Zarvos, esse último que foi diretor assistente do papa do Cinema Novo Nelson Pereira dos Santos, penso ainda como os mestres podem ter um papel de turning point na vida dos jovens. A primeira vez que assisti High School estava na universidade e me pareceu libertador poder fazer documentário com o som direto, como ficção, sem depoimento ¾ para a câmera.
Hoje, enquanto finalizo meu terceiro longa-metragem Madeleine à Paris, filme que nos levou para os bastidores do cabaré Paradis Latin, tenho a chance de assistir ao filme Crazy Horse, de Frederick Wiseman, na companhia do seu diretor. Deve mesmo existir uma comunidade transnacional do cinema, o que me faz ter certeza que ver bons filmes trabalha o nosso olhar, amplia o nosso gosto e abre possibilidades de sonhar.
Thank you Mr. Wiseman por nos ajudar a não desistir de sonhar! E obrigada ao FESTin por fazer parte dessa potente circulação com curadoria de filmes brasileiros, portugueses e dos cinemas africanos. Só este ano, o festival passa pelas cidades de Lisboa, Coimbra, Cabo Verde, Moçambique, Rio de Janeiro, além de Quixadá, Aracati, Redenção e Fortaleza, no estado do Ceará.
*Liliane Mutti é cineasta, conselheira para coprodução Brasil e Europa da BRAVI - Brasil Audiovisual Independente e Mestre em Estudos de Gênero pela Universidade Paris 8, mestre em Educação na linha de Diversidade, pela Universidade Federal Fluminense com convênios estabelecidos entre a UFF e as Universidades Sorbonne IV, Paris Diderot e Sorbonne Nouvelle em Altos Estudos sobre a América Latina. Ela é diretora de Salve, amigues!, além de roteirista e diretora, em parceria com Daniel Zarvos, de Miúcha, a voz da Bossa Nova, longa-metragem baseado nas cartas, diários, aquarelas e gravações em fitas cassetes de Heloísa Maria Buarque de Hollanda.