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Cinema: um negócio da China e do Brasil - Por Liliane Mutti

A chegada da ex-presidenta do Brasil Dilma Rousseff à presidência dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) promete trazer novos ares também para o cinema feito lá e cá.

Liliane Mutti.Créditos: Divulgação
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De 2006 a 2009, o Brasil foi o principal parceiro comercial da China e, ao acompanharmos o primeiro semestre deste ano, é possível apostar que essa parceria será reeditada. No mês passado, a montadora chinesa de carros elétricos (leia-se economia verde) BYD se instalou na Bahia, com direito a show do Olodum, Ilê Aiyê e Banda Didá. A chegada da ex-presidenta do Brasil Dilma Rousseff à presidência dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) promete trazer novos ares também para o cinema feito lá e cá. 

Para inspirar o por vir, exemplos não faltam. O filme Nise – O Coração da Loucura, dirigido por Roberto Berliner, é um desses que estreou em 600 salas de cinema chinesas em 2017, ainda no sopro do que restou de políticas públicas naquele ano. A China tem apresentado perspectivas bastante promissoras para a indústria cinematográfica. Em 2016, tornou-se o país com o maior número de salas de cinema do mundo e, apenas quatro anos depois, alcançou a posição de maior mercado cinematográfico do planeta. Mas, sabemos como as produtoras chinesas encontram resistência para encontrar telas no exterior, com raras exceções, como Jia Zhang Ke (As montanhas se separam; Les Éternels) descoberto no festival francês Des 3 Continents (Ásia, África e América Latina) e que se tornou queridinho do Festival de Cannes. 

Os chineses parecem que já entenderam que o cinema é um forte motor da economia. Por aqui, a pauta do audiovisual e do cinema precisa pôr em diálogo as diversas instâncias gestoras das políticas públicas Da mesma forma que a diversidade de gênero foi acolhida na Apex, colocando a mulher no protagonismo não apenas do consumo, mas da liderança do negócio, é chegada a hora de trazer o imaterial para dentro da empresa do estado, responsável pela promoção do Brasil no exterior, exportações e atração de parceiros internacionais. Para isso, será preciso assumir na pauta política a cultura no seu sentido transversal, sendo também, mas não apenas, assunto do MinC. 

A prática do diálogo do atual governo tem deixado claro que políticas públicas são feitas com e para todas e todos. Mas, eis que finalmente, neste mês de agosto a efetivação do Conselho Superior de Cinema - CSC chega enfim à ordem do dia, ganhando a importância estratégica que merece e incluindo representação da Embratur entre os pares do cinema. Essa é a turma que terá o desafio de encarar temas áridos e já enfrentados por outros países como a França: a regularização da programação do horário nobre das salas, o limite do número de salas para os mesmos e a diversidade no conteúdo do streaming. 

O acesso aos bens culturais é formador de uma sociedade, mas, historicamente negligenciados, vem servindo para promover uma monofonia do nosso repertório. Isso significa dizer que, a recente monopolização Barbie X Oppenheimer, nos reduz a variedade de diferenças, não dando opção ao público de descobrir o novo no espaço coletivo da sala de cinema. Por isso, esse é um assunto nosso do setor, mas também da sociedade brasileira.  

Reabrir essa caixa de pandora deve incluir, portanto, os cinema.s brasileiro.s, com seus plurais, mas sem esquecer “os outros” cinemas. Como cineasta, mãe, feminista, sinto na prática profissional e na experiência cotidiana o quanto é formativo do olhar ter acesso ao.s cinema.s chineses, moçambicanos, coreanos, chilenos. Acabo de chegar de Lisboa, onde apresentei o filme Salut, mes ami.e.s ! exibido no FESTin - Festival do cinema Itinerante da Língua Portuguesa, ao lado de dezenas de filmes selecionados do continente africano e lusofonia. Poder assistir no cinema à produção contemporânea pulsante feita na África hoje, ou da China, não deve ser mais um privilégio europeu. 

No Dia Nacional da Imigração Chinesa no Brasil, não queremos apenas assistir Estados Unidos ou Brasil na tela grande. Precisamos de uma cota de tela não binária. O desafio da regulamentação, prestes a entrar em votação no Congresso Nacional, precisa contemplar nossas matrizes culturais e a diversidade radical, de intersecção de gênero, etnia, margens, que o novo tempo exige. Por uma cota de tela verdadeiramente diversa, internacionalista e supra-ocidental.

Liliane Mutti é cineasta com experiência em protagonistas mulheres

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.