Sempre quando alguém crítica o Estado de Israel e o genocídio do povo palestino, há quem acuse tal postura de “antissemita” – termo que se refere ao preconceito contra povos semitas, entre eles árabes e judeus. Nessa lógica, denunciar o caráter supremacista e racista do sionismo seria, em última instância, defender o fim do povo judeu (o que, evidentemente, é uma grande falácia). Na verdade, o próprio Estado de Israel é, inerentemente, antissemita. Por vários motivos.
Como bem argumenta Judith Butler, no livro “Caminhos Divergentes”, o sionismo contradiz a multiplicidade de modos sociais de identificação da judaicidade, enquanto categoria cultural, histórica, política e não religiosa.
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Como povo diaspórico, os valores dos judeus são baseados na coabitação e respeito com o outro. Para a autora, “ser” judeu é estar se afastando de si mesmo, jogado num mundo dos não judeus, fadado a progredir ética e politicamente justo ali, naquele mundo de uma heterogeneidade irreversível. Ou seja, a alteridade é constitutiva da identidade judaica. Portanto, nada mais antagônico à judaicidade do que Israel e sua proposta de Estado exclusivamente étnico, algo historicamente só comparável ao nazismo alemão.
Além disso, o genocídio promovido por Israel, há pelo menos oito décadas, visa eliminar o povo palestino que, como sabemos, é árabe e, por consequência, semita. Logo, podemos concluir que se trata de um genocídio antissemita.
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Por outro lado, mesmo o preconceito contra israelenses não é, tecnicamente, antissemitismo. De acordo com o professor Shlomo Sand, os judeus que migraram do continente europeu para formar o Estado de Israel tinham como antepassados pessoas que se converteram à fé judaica; não são descendentes dos judeus da famosa diáspora dos dois primeiros séculos da era cristã. O contrário não podemos dizer sobre os palestinos atuais, que possuem ligações genéticas com o antigo povo judeu.
Assim, não é difícil constatar que o atual Estado de Israel não tem nada a ver com o antigo Reino de Israel; é um exemplo de colonialismo por povoamento (ou assentamento), definido pelo historiador australiano Patrick Wolfe como processo de eliminação de povos nativos, realizado pelos europeus na África, América, Ásia e Oceania.
Como a narrativa israelense conseguiu, de forma relativamente bem-sucedida, se apropriar da judaicidade (incluindo a memória do holocausto nazista), muitos críticos do genocídio do povo palestino, equivocadamente, têm se rebelado não somente contra o sionismo, mas em relação a tudo que remeta à milenar cultura judaica. Consequente, tem crescido mundo afora a hostilidade a judeus e seus valores (que, como visto, não tem nada a ver com Israel).
Em suma, por uma dessas ironias da história, não há nada mais antissemita atualmente do que o Estado de Israel.