OPINIÃO

Estado de Israel é, inerentemente, antissemita

Genocídio promovido por Israel, há pelo menos oito décadas, visa eliminar o povo palestino que, como sabemos, é árabe e, por consequência, semita

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Doutor em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professor da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Especialista em Jornalismo pela Faculdade Iguaçu (FI). Autor de quinze livros, entre eles "A ideologia dos noticiários internacionais" (Editora CRV).
Estado de Israel é, inerentemente, antissemita
Benjamin Netanyahu com Jair Bolsonaro no Muro das Lamentações. Presidência da República

Sempre quando alguém crítica o Estado de Israel e o genocídio do povo palestino, há quem acuse tal postura de “antissemita” – termo que se refere ao preconceito contra povos semitas, entre eles árabes e judeus. Nessa lógica, denunciar o caráter supremacista e racista do sionismo seria, em última instância, defender o fim do povo judeu (o que, evidentemente, é uma grande falácia). Na verdade, o próprio Estado de Israel é, inerentemente, antissemita. Por vários motivos.

Como bem argumenta Judith Butler, no livro “Caminhos Divergentes”, o sionismo contradiz a multiplicidade de modos sociais de identificação da judaicidade, enquanto categoria cultural, histórica, política e não religiosa.

Como povo diaspórico, os valores dos judeus são baseados na coabitação e respeito com o outro. Para a autora, “ser” judeu é estar se afastando de si mesmo, jogado num mundo dos não judeus, fadado a progredir ética e politicamente justo ali, naquele mundo de uma heterogeneidade irreversível. Ou seja, a alteridade é constitutiva da identidade judaica. Portanto, nada mais antagônico à judaicidade do que Israel e sua proposta de Estado exclusivamente étnico, algo historicamente só comparável ao nazismo alemão.

Além disso, o genocídio promovido por Israel, há pelo menos oito décadas, visa eliminar o povo palestino que, como sabemos, é árabe e, por consequência, semita. Logo, podemos concluir que se trata de um genocídio antissemita.

Por outro lado, mesmo o preconceito contra israelenses não é, tecnicamente, antissemitismo. De acordo com o professor Shlomo Sand, os judeus que migraram do continente europeu para formar o Estado de Israel tinham como antepassados pessoas que se converteram à fé judaica; não são descendentes dos judeus da famosa diáspora dos dois primeiros séculos da era cristã. O contrário não podemos dizer sobre os palestinos atuais, que possuem ligações genéticas com o antigo povo judeu.

Assim, não é difícil constatar que o atual Estado de Israel não tem nada a ver com o antigo Reino de Israel; é um exemplo de colonialismo por povoamento (ou assentamento), definido pelo historiador australiano Patrick Wolfe como processo de eliminação de povos nativos, realizado pelos europeus na África, América, Ásia e Oceania.

Como a narrativa israelense conseguiu, de forma relativamente bem-sucedida, se apropriar da judaicidade (incluindo a memória do holocausto nazista), muitos críticos do genocídio do povo palestino, equivocadamente, têm se rebelado não somente contra o sionismo, mas em relação a tudo que remeta à milenar cultura judaica. Consequente, tem crescido mundo afora a hostilidade a judeus e seus valores (que, como visto, não tem nada a ver com Israel).

Em suma, por uma dessas ironias da história, não há nada mais antissemita atualmente do que o Estado de Israel.

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