Outro dia, durante uma de minhas aulas na Licenciatura em Geografia, um aluno mencionou que, na época de escola, pouco havia estudado sobre o Arraial de Canudos (uma espécie de comunidade autossustentável, comandada por Antônio Conselheiro, formada por indivíduos que fugiam da extrema miséria em que viviam no sertão nordestino).
Posteriormente, tendo a observação acima como gancho, apontei que, não apenas Canudos, mas todos movimentos populares são estrategicamente negligenciados pela chamada historiografia oficial e, consequentemente, nos currículos escolares. Exemplos não faltam: Revolta dos Malês, Cabanagem, Guerra do Contestado, Revolta da Chibata e por aí vai.
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Concluímos que o currículo é uma questão em constante disputa. Daí, para compreender o que é ensinado em escolas Brasil afora, tão importante quanto analisar “o que está no currículo”, é identificar “o que não está no currículo”.
Se os movimentos populares não estão presentes nos currículos (ou, no máximo, abordados superficialmente) não se trata de mero descuido. Tampouco é falta de fonte histórica. Para os donos do poder, contestações à ordem vigente são “maus exemplos”; não podem ser seguidos pela população. Logo, devem ser apagados dos currículos.
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Exceção a essa regra é o Quilombo dos Palmares. Mas, não por caso, seu mais famoso líder, Zumbi, devido ao recente destaque em nossa historiografia, tem sido alvo constante de ataques de setores conservadores autointitulados politicamente incorretos e da produtora de extrema direita Brasil Paralelo. Já o anteriormente mencionado Antônio Conselheiro, para se esconder o caráter político de Canudos, frequentemente é taxado como “fanático religioso”.
A ocultação de revoltas populares também contribuiu para a perpetuação do mito de que o brasileiro, diferente de seus vizinhos sul-americanos, é um povo passivo, que não contesta o status quo e aceita calado determinadas situações adversas. Um povo que assiste a tudo bestializado, lembrando um famoso artigo de Aristides Lobo. Nessa mesma linha, Lima Barreto afirmou: o Brasil não tem povo, tem público.
Portanto, diante dessa realidade, é preciso disputar narrativas e currículos. Demonstrar que o povo brasileiro, assim como seus irmãos sul-americanos, também é combativo. Porém, suas mobilizações, infelizmente, têm sido apagadas nos livros didáticos, na mídia hegemônica e em outros meios de comunicação.