A história se repete, ora como tragédia, ora como farsa. Donald Trump, com sua retórica imperial e ambição neocolonial, ressurge no palco internacional com um plano que soa tanto medieval quanto distópico. Trump propôs que os EUA assumissem o controle de Gaza, realocando os palestinos para países vizinhos e transformando a região em um novo centro turístico ocidentalizado. Ele quer tomar Gaza sob domínio norte-americano, reconstruí-la e, num ato de engenharia étnica, excluir os palestinos de sua própria terra. Para Trump, os deslocados deveriam ser redistribuídos em países vizinhos, enquanto Gaza, sob novos auspícios, tornar-se-ia uma espécie de resort oriental. O cinismo dessa proposta é tão gritante que não surpreende a rejeição generalizada por parte de líderes árabes e da comunidade internacional.
O projeto trumpista não é apenas uma afronta ao povo palestino; é a reiteração de um padrão em que os Estados Unidos se julgam árbitros do destino de povos que não lhes pertencem. Essa lógica de imposição já se manifestou em episódios históricos como a invasão do Iraque em 2003, quando o governo norte-americano justificou sua intervenção com base na alegada presença de armas de destruição em massa, apenas para mais tarde revelar-se um pretexto infundado para remodelar a região segundo seus interesses.
É o colonialismo reciclado, embebido na lógica da supremacia econômica e militar. Em nome da "reconstrução", Trump propõe um processo de limpeza étnica velada, destituindo um povo de sua pátria e negando-lhe o direito ao retorno. Tal política não é apenas uma violação escandalosa dos direitos humanos, mas uma tentativa grotesca de impor uma nova realidade sem qualquer preocupação com a autodeterminação dos palestinos.
Esse movimento ocorre em paralelo a uma guinada isolacionista do próprio governo norte-americano, que tem se afastado de organismos internacionais de direitos humanos. A saída dos EUA do Conselho de Direitos Humanos da ONU, sob a justificativa de que o órgão teria um viés anti-Israel, apenas reforça o desdém trumpista pelo multilateralismo. A decisão de cortar fundos para a UNRWA (agência da ONU para os refugiados palestinos) adiciona mais um capítulo à política de desumanização dessa população, perpetuando sua condição de apátrida e destituída de garantias fundamentais.
A política externa de Trump não é apenas uma ameaça à paz no Oriente Médio, mas também um sintoma de algo maior: o desmoronamento da ordem internacional baseada em acordos e compromissos coletivos. Líderes europeus, como Emmanuel Macron e Olaf Scholz, têm criticado abertamente essa postura, defendendo a importância do multilateralismo e da cooperação internacional. Por outro lado, países como Rússia e China têm usado essa guinada norte-americana como justificativa para ampliar sua própria influência global, reforçando narrativas antiocidentais e propondo alternativas a instituições dominadas pelos EUA.
Ao recusar-se a participar de instâncias multilaterais que fiscalizam direitos humanos, os Estados Unidos sinalizam que sua atuação global não precisa estar submetida a princípios universais, mas apenas a seus próprios interesses. A ironia é que essa postura, ao invés de consolidar a hegemonia norte-americana, apenas acelera o declínio de sua influência moral e política.
O mundo não pode assistir passivamente a essa cartada final do trumpismo. A comunidade internacional deve intensificar pressões diplomáticas, impor sanções econômicas específicas e reforçar o financiamento de organismos multilaterais que protejam os direitos palestinos. Além disso, é essencial que lideranças globais ampliem esforços para fomentar negociações de paz legítimas, garantindo que qualquer reconstrução de Gaza ocorra com plena participação palestina e sob a égide de instituições internacionais respeitadas.
A proposta para Gaza deve ser rechaçada com a veemência que merece, pois sua implementação abriria precedentes perigosíssimos para o direito internacional. Não se trata apenas do destino de um povo, mas da luta contra a ideia de que grandes potências podem redesenhar mapas e destinos humanos conforme seus próprios caprichos. O domínio dos direitos étnicos não pode ser um luxo dos gigantes do Norte. É um princípio que deve ser defendido como base de qualquer ordem minimamente justa e civilizada.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.