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Imprensa lusa noticia “terremoto”, e não “terramoto”, e nova treta se instala

Muitos portugueses estão furiosos, mas não com o “terremoto”. Quer dizer, é com ele, só que com a forma como os veículos escrevem a palavra. Entenda a encrenca

Créditos: Marcos Corrêa/Agência Brasil
Escrito en OPINIÃO el

De LISBOA | O relógio marcava 5h11, plena madrugada de domingo para segunda-feira, quando a franja ocidental da Península Ibérica tremeu. Portugal estava vivendo o “terremoto” mais expressivo dos últimos 55 anos, já que um sismo de tal intensidade não era registrado desde 1969. Mas você pode estar se perguntando o porquê das aspas em “terremoto”.

Na língua portuguesa falada na Europa, a expressão adequada é “terramoto”, assim mesmo, com “a”. O problema começou quando grandes jornais, portais e emissoras do pequeno país europeu, não todos, claro, começaram a escrever “terremoto” em suas manchetes, um termo adequado ao português brasileiro. O susto nem mesmo havia passado e uma nova treta entre lusos e brasileiros (o que não é novidade) já estava instalada.

“Senhores jornalistas, escreve-se terramoto, com “a”, na língua portuguesa. O vosso título está com “e”, ou seja, como se escreve no Brasil. Terá sido o susto?”, disparou uma “conhecida” figura política da extrema direita de Portugal, que não é do Chega, mas de uma outra agremiação ainda mais reacionária e inexpressiva do ponto de vista eleitoral. Mas ele não foi o único.

Uma verdadeira avalanche de ataques contra o “terremoto” português, e que na verdade é brasileiro, tomou as redes. “Inaceitável”, bradava um. “Estamos no Brasil?”, berrava outro. Há xenofobia em Portugal, obviamente, mas este fenômeno, no que diz respeito aos brasileiros que aqui vivem, é complexo e apresenta inúmeras variáveis, sobretudo racial e econômica. A presença de cidadãos brasileiros é tão grande, tão antiga e tão profunda que a rejeição ao “diferente” não se dá da mesma maneira como a segregação aos muçulmanos ou cidadãos dos países do subcontinente indiano, estes sim alvos de ataques diretos.

O fato é que Portugal, sem qualquer deboche ou desprezo, apegando apenas a uma realidade factual e inequívoca, há muitos anos passa por um processo de “colonização” por parte do Brasil, e note que não me refiro aqui ao grande contingente que atravessou o Atlântico para viver por essas bandas. É uma questão cultural mesmo. A música, o futebol, as novelas, o lazer, a comida, tudo, rigorosamente tudo, por conta da televisão, das redes sociais e da massiva presença de brasileiros, passou a ser “dominado”, digamos assim por mais que o vocábulo possa parecer incômodo ou ofensivo aos lusos de nascimento.

O Brasil tem 21 vezes a população de Portugal. Exemplificando melhor, para cada português que você encontrar perambulando pelo mundo, haverá 21 brasileiros. Nosso território equivale a 96 vezes a área territorial de nossos antigos colonizadores. Para além disso, o português europeu só foi incluído no tradutor do Google no mês passado. Sim, você não leu errado. A língua portuguesa falada em Portugal só entrou nos mecanismos de tradução do maior gigante de internet do planeta em julho deste ano. Antes, tudo que se referia ao idioma era traduzido para o português brasileiro.

Eu até discordo do uso de “terremoto” pelos portais, jornais e emissoras de TV de Portugal, mesmo porque eles têm uma palavra no idioma nacional para o fenômeno natural, que é “terramoto”. Entretanto, ficar se apegando a isso parece-me resultado de duas coisas. A primeira é a canalhice de arranjar desculpa em tudo para extravasar seu racismo, xenofobia e preconceito. O segunda é a pequenez e a falta de senso de realidade de não aceitar o processo atravessado pelo país, de profunda inundação pela cultura de um gigante um dia colonizado por eles, cuja criatura tornou-se maior que o criador. A humanidade avançou, a linha do tempo correu, mas ainda não inventaram um antídoto que seja capaz de permitir que se lute contra fatos consolidados.