MODA E POLÍTICA

Nayib Bukele e seu traje militar no estilo de Napoleão Bonaparte

Em cerimônia de posse para um inédito segundo mandato, presidente salvadorenho escolhe traje militar que remete ao imperador francês do século 18 e ressoa também na figura do herói nacional Gerardo Bairros

Créditos: Fotomontagem - Napoleão Bonaparte e Gerardo Barrios (Wikimedia Commos) ladeiam Nayib Bukele (Instragram) em seu traje militar
Escrito en OPINIÃO el

Nayib Bukele assumiu pela segunda vez consecutiva a Presidência de El Salvador. Em seu discurso de posse, prometeu “curar o câncer das gangues e da insegurança" dando continuidade à sua política de mão dura.

Da sacada do Palácio Nacional, após prestar seu juramento, ele pediu aos milhares de apoiadores que acompanhavam a cerimônia na praça do centro histórico da capital, San Salvador, que tomem sem queixas o "remédio amargo" que receitará em seu segundo mandato, que começou neste sábado (1º), com o objetivo de melhorar a economia.

Para além do discurso, chamou a atenção o look escolhido pelo presidente salvadorenho durante a cerimônia de posse: uma versão moderna de um traje militar francês inspirado no século 18, com bordados florais dourados nos punhos e no colarinho alto estilo Neru e na cor preta.

Esse tipo de colarinho é curto e reto, levantando-se ao redor do pescoço sem a aba dobrada, o que é comum em colarinhos tradicionais. O nome é uma homenagem a Jawaharlal Nehru (1889-1964), o primeiro premiê da Índia. O estilo é frequentemente associado a trajes tradicionais indianos, mas também foi adotado em diversos estilos de vestuário ocidentais.

Ecos de um herói nacional

Wikimedia Commons - Gerardo Barrios

A  versão repaginada de um traje militar francês de Bukele remete ao que vestia o herói nacional Gerardo Barrios (1813-1865). O ex-presidente, general respeitado, é uma figura central na história de El Salvador, celebrado por suas tentativas de modernizar o país e sua visão de união centro-americana.

Já Bukele é uma figura polarizadora, criticado por tendências autoritárias e erosão das instituições democráticas.

Quanto ao traje militar, Barrios foi um general com experiência significativa em campanhas militares e conflitos, mas Bukele se apropria desses símbolos e estética para projetar poder, apesar de nunca ter tido experiência militar.

Traje napoleônico

Wikimedia Commons - Napoleão Bonaparte

Ao mirar a figura do general salvadorenho Gerardo Barrios, Bukele acaba acertando na imagem de Napoleão Bonaparte (1769-1821). O imperador francês é uma figura histórica conhecida por seu fascínio e apego ao poder e ao autoritarismo. E tudo leva a crer que o atual presidente salvadorenho compartilha dessa megalomania napoleônica.

Durante seu primeiro mandato, entre 2019 e 2024, Bukele deixou claro suas tendências para o autoritarismo e concentração de poder e minou as instituições democráticas de El Salvador. Ele enfraqueceu a independência do judiciário, como a destituição de juízes da Suprema Corte e do procurador-geral, e sua substituição por aliados.

Napoleão foi militar, mas Bukele se apropria desses valores - mesmo sem nunca ter sido militar - e militarizou o governo, especialmente com o uso das forças armadas para implementar políticas de segurança e para demonstrar poder.

O autoritarismo napoleônico de Bukele também é visto em seus ataques contra liberdade de imprensa e direitos humanos. Ele é acusado de intimidar jornalistas e meios de comunicação que criticam seu governo e frequentemente usa as redes sociais para desacreditar a mídia independente.

Organizações de direitos humanos também alertam que a política de mão dura de Bukele contra as gangues leva a abusos dos direitos humanos, detenções arbitrárias e condições desumanas nas prisões.

Napoleão é frequentemente lembrado por suas grandes ambições e realizações militares e políticas. Bukele pode estar sinalizando suas próprias ambições elevadas e seu desejo de ser lembrado como um líder transformador e influente na história de El Salvador.

As ambições napoleônicas de Bukele podem tentar emular os desafios às normas estabelecidas e ao status quo e para implementar políticas de extrema direita em seu país.

Libertário e populista

Há ainda fortes críticas ao governo de Bukele contra a adoção do Bitcoin como moeda legal. Essa decisão foi considerada precipitada e imposta sem consulta suficiente à população. Há preocupações sobre a volatilidade do criptomoeda e seu impacto na economia e na vida cotidiana dos cidadãos.

Outro ponto controverso na gestão do presidente El Salvador é sobre a falta de transparência em projetos de infraestrutura e investimentos, com alegações de corrupção e mau uso de fundos públicos.

Bukele é acusado ainda de usar uma estratégia populista ao focar em sua imagem pública e em campanhas de mídia social para manter o apoio popular, enquanto evita questões substantivas e críticas legítimas. Muitas de suas promessas de campanha são irrealistas ou não foram cumpridas, e ele usa retórica grandiosa para distrair de problemas reais.

Embora Bukele tenha buscado melhorar as relações com os Estados Unidos, há críticas de que ele está excessivamente dependente do apoio de Washington, o que pode comprometer a soberania de El Salvador. Suas políticas internas e sua retórica podem isolar o país na comunidade internacional e prejudicar alianças e acordos importantes.

Defesa com unhas e dentes

O primeiro mandato de Bukele foi marcado pela política de mão dura, focada na repressão das gangues criminosas com uso de operações policiais e militares extensivas que tem sido alvo de graves críticas de violação dos direitos humanos.

Vigente desde março de 2022, soma mais de 80 mil detidos sem ordem judicial, acusados de pertencerem a gangues. A Human Rights Watch e a Anistia Internacional denunciam mortes, tortura e detenções arbitrárias. Quase oito mil foram libertados, milhares deles inocentes.

Em seu discurso de posse, Bukele conclamou os salvadorenhos a "defender com unhas e dentes" as "decisões tomadas sem hesitação" para tornar o país "próspero". "Sem nos queixarmos", enfatizou. Ele não anunciou nenhuma medida.

Também destacou que sua recente vitória esmagadora nas eleições demonstra que os salvadorenhos desejam continuar sob o regime de exceção. Mas a situação econômica do país pode abreviar essa lua de mel.

El Salvador enfrenta uma dívida pública de US$ 30 bilhões (R$ 157 bilhões), o equivalente a 84% do PIB. Além disso, 29% dos 6,5 milhões de habitantes vivem na pobreza, e muitos continuam emigrando para os Estados Unidos em busca de trabalho. Os três milhões de salvadorenhos que vivem no exterior enviam remessas no valor de US$ 8 bilhões (R$ 42 bilhões) por ano, o equivalente a 24% do PIB.

Bukele, ex-publicitário de ascendência palestina, assume um novo mandato de cinco anos com poder quase absoluto, após vencer as eleições de fevereiro com 85% dos votos e conquistar quase todo o Congresso, obtendo 54 das 60 cadeiras.

Assíduo nas redes sociais, onde ri de quem o chama de "ditador", Bukele conta com o apoio de todos os poderes do Estado, incluindo os magistrados que lhe permitiram buscar a reeleição, apesar de a Constituição proibir essa prática.

Repeteco na história como farsa

Assim como Napoleão Bonaparte, que usou e abusou de seu carisma e habilidade militar para centralizar o poder na França, Bukele adota uma estratégia de autopromoção e controle rígido das instituições para consolidar seu domínio em El Salvador.

Mas, como escreveu Karl Marx em sua obra "O 18 de Brumário de Luís Bonaparte", em 1852: "A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa".

Tal citação de encaixa na pretensão megalômana de Bukele em emular um líder como Bonaparte. Enquanto o imperador francês deixou um legado de campanhas militares e reformas administrativas, as marcas da governança de Bukele são populismo digital e manipulação das redes sociais, onde ele zomba de críticas e desconsidera preocupações sobre seu crescente autoritarismo.

A adoção do Bitcoin como moeda legal, por exemplo, é vista por muitos como uma tentativa de criar uma fachada de modernidade e inovação, mascarando questões econômicas profundas e a concentração de poder que ameaça a democracia no país. A construção de uma figura história vai muito além da roupa usada.