REALIDADE OU FICÇÃO?

Fallout: crítica ao neoliberalismo e à corporocracia serve de alerta para adiar o fim do mundo

Prefeito bolsonarista de Porto Alegre anuncia contratação de empresa para cumprir o papel do Estado de reconstruir a cidade e remete a roteiro de série de ficção pós-apocalíptica baseada em famoso videogame

Créditos: Amazon (Divulgação) - Fallout faz uma crítica ao neoliberalismo e à corporocracia
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A tragédia climática e humanitária que assola o povo gaúcho teria consequências ainda mais dramáticas com a ausência do Estado, seja por meio dos governos federal, estadual e municipais.

Assim como ocorreu durante a pandemia da Covid-19, que a despeito de um presidente desleixado e preguiçoso, foi por meio das instituições estatais que brasileiros e brasileiras tiveram acesso a medidas para aliviar o estrago do vírus, que deixou mais de 700 mil mortos só no Brasil.

"Fallout", nova série da Prime Vídeo, plataforma de streaming da Amazon, que estreou no Brasil no último 10 de abril, desenha uma crônica pós-apocalíptica que pode dar uma ideia de um mundo no qual não existe Estado e mandam as corporações, ou o que sobrou delas.

Exatamente como a corporocracia defendida pelos neoliberais: um sistema político e econômico no qual o capital, as corporações, empresas ou entidades corporativas controlam e dominam as políticas governamentais e as decisões políticas. Basta acompanhar o papel do lobby do agronegócio no Congresso Nacional e os desmontes promovidos na legislação de proteção do meio ambiente.

Para além do lobby, essa influência da grana pode ocorrer de várias maneiras, incluindo financiamento de campanhas políticas, e a rotação de empregos entre corporações e o governo (também conhecido como "porta giratória"), além de problemas como corrupção, desigualdade econômica e falta de transparência.

Mesmo com críticas à corporocracia por priorizar o lucro de poucos em detrimento do bem-estar público e produzir políticas que beneficiam os mais ricos ao invés da população em geral, em plena tragédia no Rio Grande do Sul, assistimos ao anúncio feito com pompa e circunstância de uma empresa transnacional para recuperar a capital gaúcha.

As águas das enchentes nem baixaram e o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), um dos principais responsáveis pela negligência com o sistema antienchente construído nos anos 1970 às margens do rio Guaíba, anunciou a contratação da consultoria transnacional Alvarez & Marsal para atuar no plano de recuperação da cidade que vivencia uma calamidade.

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Segundo a prefeitura, a parceria formalizada nesta segunda-feira (13) "engloba a gestão de recursos financeiros, regularização das operações, estruturação do plano e a gestão do comitê de crise, por meio da empresa Alvarez & Marsal". Terceirização da responsabilidade do Estado.

Guerra destrói, empresas lucram

A maior potência do mundo, território onde se passa a série de ficção, é um dos exemplos mais explícitos de como destruição gera lucro para corporações. Após a invasão do Iraque liderada pelos EUA em 2003, várias empresas estadunidenses desempenharam papéis significativos na reconstrução do país.

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Empresas como Halliburton e sua subsidiária Kellogg Brown & Root (KBR) receberam contratos substanciais, com a KBR recebendo pelo menos 39,5 bilhões de dólares em contratos federais relacionados à guerra do Iraque.

Outras empresas importantes incluem a Bechtel e a Science Applications International Corporation (SAIC), que também estiveram fortemente envolvidas em diversos projetos de reconstrução, variando de infraestrutura a meios de comunicação e serviços de segurança.

Duas décadas depois, Gaza, que sofre um massacre sionista pelas Forças de Defesa de Israel há 220 dias, que já causou mais de 35 mil mortes, 56% delas de mulheres e crianças, um dia precisará ser reconstruída.

Já existe um plano para a reconstrução da terra dos palestinos que está sendo liderado por um truste internacional apoiado por países árabes, como a Arábia Saudita, Egito e Emirados Árabes Unidos, Estados Unidos e até mesmo por quem a ocupou, colonizou e destruiu, Israel.

A reconstrução será complicada pela devastação significativa que, até agora, afetou mais de 90% das instalações de saúde e deixou milhões sem lar. As agências da ONU, incluindo a Organização Internacional do Trabalho, estimam que a recuperação econômica será desafiadora, com a destruição quase completa da atividade econômica e a perda de aproximadamente 200 mil empregos.

Fim do mundo é um ótimo negócio

Baseada em uma das maiores franquias de videogames de todos os tempos, "Fallout" explora uma narrativa de desigualdade em um mundo onde quase não resta nada. Situada 200 anos após o apocalipse atômico, a história segue os moradores de abrigos de luxo que são forçados a retornar a um mundo externo incrivelmente complexo, estranhamente divertido e altamente violento.

A trama se aprofunda nas vidas de vários personagens que emergem dos abrigos para enfrentar os desafios do mundo devastado.

Lucy (Ella Purnell), uma moradora otimista do abrigo com um espírito todo estadunidense de "pode fazer". Sua natureza pacífica e idealista é testada quando ela é forçada a superfície para resgatar seu pai.

Maximus (Aaron Moten) é um jovem soldado que ascende ao posto de escudeiro na facção militarista chamada Irmandade do Aço, que remete aos Jedis de Star Wars e também a fundamentalistas religiosos, principalmente neopentencostais. Ele se esforça para impor a lei e a ordem no deserto.

Ghoul (Walton Goggins) é um caçador de recompensas moralmente ambíguo que carrega consigo uma história de 200 anos do mundo pós-nuclear.

Essas partes distintas colidem quando perseguem um artefato de um pesquisador enigmático que tem o potencial de mudar radicalmente a dinâmica de poder neste mundo.

A série é produzida pela Kilter Films e pelos produtores executivos Jonathan Nolan e Lisa Joy. Nolan dirigiu os três primeiros episódios. Geneva Robertson-Dworet e Graham Wagner atuam como produtores executivos, escritores e co-showrunners.

Videogame pós-apocalíptico

A série de jogos de videogame "Fallout", que inspira o seriado do Prime Video, é famosa por seu cenário pós-apocalíptico e elementos de RPG. A série foi criada pela Interplay Entertainment e o primeiro jogo foi lançado em 1997. Desde então, a franquia expandiu-se sob a gestão da Bethesda Softworks, que adquiriu os direitos da série em 2004.

Os jogos "Fallout" se passam em um mundo alternativo com uma linha do tempo histórica que diverge após a Segunda Guerra Mundial, levando a um futuro distópico influenciado pela cultura e tecnologia da era atômica dos anos 1950.

O cenário é marcado por um conflito global por recursos que culmina em uma guerra nuclear devastadora em 2077, conhecida como "A Grande Guerra". Os jogadores exploram vastos terrenos baldios, enfrentam mutantes, bandidos e outros perigos, enquanto fazem escolhas que afetam o desenrolar da história e seus arredores.

Cada jogo da série incorpora elementos de mundo aberto, permitindo aos jogadores uma grande liberdade para explorar, completar missões e interagir com personagens não jogáveis.

Os sistemas de combate misturam ação em tempo real com um modo pausado chamado V.A.T.S. (Vault-Tec Assisted Targeting System), que permite aos jogadores mirar em partes específicas do corpo dos inimigos para ataques táticos.

A série também é conhecida por seu humor negro e críticas sociais, frequentemente satirizando elementos da sociedade e cultura dos EUA. "Fallout" se destaca por seu extenso uso de escolhas morais e narrativas ramificadas, onde as decisões do jogador têm um impacto significativo no mundo do jogo e nos resultados das histórias.

Os títulos principais da série incluem "Fallout", "Fallout 2", "Fallout 3", "Fallout: New Vegas" e "Fallout 4". Há também um jogo multiplayer online, "Fallout 76", que explora uma experiência de sobrevivência compartilhada entre jogadores no mesmo mundo pós-apocalíptico.

A franquia "Fallout" ganhou aclamação crítica e um grande seguimento de fãs, sendo reconhecida por sua profundidade narrativa, design de mundo rica e jogabilidade envolvente.

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