A queda do Muro de Berlim, em 1989, marcou o fim da Guerra Fria, simbolizando a reunificação da Alemanha, cindida em Ocidental e Oriental, e precipitando o colapso do comunismo soviético. Em 1991, testemunhamos o fim da URSS e, simultaneamente, a Guerra do Golfo. Esses eventos marcaram a decadência da URSS e o estabelecimento dos EUA como a única superpotência mundial, demonstrando sua capacidade de agir conforme desejavam no cenário internacional, com um mandato que se estendia para Israel.
A esquerda se viu preocupada, enquanto a direita celebrou a vitória, simbolizada pela hegemonia do modelo democrático liberal ocidental, e a autodeclarada chegada ao caminho que levava ao fim da história, como profetizou Francis Fukuyama, que depois renegou sua própria tese. Na sequência, a direita neoliberal emergiu como a corrente ideológica dominante no mundo, impulsionada pelo imperialismo da Pax-Americana e pelo aprofundamento do receituário do Consenso de Washington: mais arrocho e menos estado.
No cenário internacional, o neoliberalismo, em conjunto, e em contradição, com o keynesianismo militarista estadunidense, causou um rearranjo do tabuleiro geopolítico. A reação palestina à ocupação de seu território por tropas israelenses, com o massivo apoio norte-americano, de alguma forma confirmava a desintegração da URSS e o aumento do poder de Israel. As intifadas se tornaram parte dessa reação e a assinatura dos Acordos de Oslo se tornou inevitável, ainda que indesejável para o establishment mais à direita. O poder comunicacional dos EUA estava no auge, com a dominação completa das comunicações de massa.
Mas há um elemento de análise fundamental neste processo: a perseguição do Papa João Paulo II à Teologia da Libertação, que representou um combate ideológico ao “marxismo” dessa corrente, que buscava a justiça social. Isso criou um vácuo no trabalho das comunidades de base da Igreja Católica, que foi aproveitado pelas mais diversas denominações evangélicas. O Papa João Paulo II queria estimular o crescimento da Igreja Católica entre os conservadores, mas o resultado foi sua drástica redução global, pois a denominação perdeu o sentido para diversas comunidades, pois deixou de ajudar os mais necessitados.
A antiga ordem neocolonialista também colapsou em outras regiões do planeta. As ex-colônias africanas começaram a se desestabilizar politicamente, num movimento que persiste até hoje, como o Genocídio de Ruanda. Na arena global, presenciamos a Revolução dos Contras, a Invasão do Iraque e a Guerra da Bósnia, que também são resultados desse mesmo neocolonialismo que afetou a África, seja em sua vertente econômica, ou na guerra pelo petróleo, ou ainda dominação de uma pretensa civilização judaico-cristã.
A União Europeia foi criada para contrapor-se ao poder centralizado dos EUA, mas nasceu com um problema intrínseco: todos os seus países eram subservientes aos norte-americanos. Contudo, a China vinha crescendo economicamente de forma discreta e começou a acelerar de maneira impressionante a partir de 1991. Mesmo com a Rússia aparentemente derrotada, o mundo parecia caminhar em direção à multipolaridade. A social-democracia começou a ganhar força nesse contexto e o pêndulo político iniciou seu retorno do radicalismo de direita para o centro. A internet estava nascendo, ainda não era uma força comunicacional, mas as potências ocidentais estavam com o controle da web e da tecnologia envolvida.
Após os ataques de 11 de setembro às Torres Gêmeas, os EUA iniciaram a “Guerra ao Terror” e invadiram o Afeganistão, em 2001, e o Iraque, em 2003. Recuperaram o controle geopolítico demonstrando sua superioridade militar e amorteceram o ímpeto multilateralista por décadas, estabelecendo-se como a única superpotência mundial e líder absoluta dos países alinhados. A busca por uma dominação global total culminou mais tarde nas Primaveras Árabes e nas Revoluções Coloridas.
Entretanto, de maneira discreta, mas constante, a China emergiu como a segunda maior economia mundial, adotando uma forma aparente de capitalismo de Estado. O capitalismo então, se firmou como a única ideologia vencedora, culminando em uma longa trajetória simbólica até a sua "gloriosa vitória final" desde a queda do Muro de Berlim.
Em paralelo a esse movimento geopolítico, desde a década de 70, o capital passou por um processo de financeirização, e, nos anos 2000, os bancos já representavam o ápice do capitalismo globalizado, impulsionados pela internet e pela abertura comercial. Nos anos 2000 a internet começou a ganhar relevância no campo da comunicação, e os grupos de periféricos, oprimidos e favelados enxergaram uma oportunidade de criar uma contracultura digital, por se tratar de uma rede distribuída e multipolar.
Em 2008 a internet já era um poder comunicacional, porém, ainda não determinante. A dinâmica de grandes plataformas e redes sociais já estava implementada, mas não era dominante. No entanto, a volatilidade das trocas digitais em nível global já estava instituída e a economia mundial já estava interligada em um piscar de olhos. O grande capital já exercia seu domínio sobre a internet.
Neste contexto, chegou a crise financeira global, nascida no centro do capitalismo moderno, os EUA, e desmoralizou completamente o sistema bancário. Foi uma crise simbólica, pois até então o capitalismo era o vencedor ideológico e os bancos os campeões do capital, mas eles revelaram uma natureza fraudulenta, contrariando a expectativa de profissionalismo e meritocracia. A ilusão do mundo liberal autorregulado caiu e a crise se espalhou rapidamente, causando uma recessão mundial de grande impacto.
Esse momento foi crucial para entender o crescimento da extrema direita em âmbito internacional, pois o modelo capitalista estava abalado, e surgia uma questão: retornaríamos ao "antiquado" socialismo ou dobraríamos a aposta no capitalismo?
A extrema direita apresentou-se com todas as condições para oferecer uma solução rápida para a crise: respostas simples e diretas. Problemas econômicos? Abrir mercados e privatizar. Violência? Prender e matar. Questões sociais? Deixar que Deus guie.
Enquanto isso, a esquerda continuou com sua mesma fórmula, adotou uma abordagem mais elaborada, tentando explicar as causas da crise e como superá-la, semelhante ao que fazemos neste texto. Esse modelo de comunicação só poderia ser superado com o crescimento exponencial das redes sociais, um ambiente de comunicação rápida e direta.
A internet, que inicialmente mimetizava a comunicação analógica, permitiu que a esquerda competisse com a direita, uma vez que suas explicações ainda se mostravam coerentes. Contudo, a natureza da rede evoluiu para um fluxo digital acelerado, com a predominância do capitalismo de plataforma, e grandes empresas, como Google, Facebook e Amazon, passaram a dominar o ambiente de rede. Nesse estágio, a utopia de uma internet que democratizasse a comunicação já estava desfeita.
Paralelamente, a extrema direita começou a se organizar digitalmente, de maneira rápida, fluída e objetiva, enquanto os movimentos de esquerda lutavam com o peso da história e a dificuldade de se adaptar. Enquanto a extrema direita se construía dentro do mundo digital, a esquerda ainda não havia compreendido plenamente essa nova realidade.
Quando a extrema direita percebeu a falta de limites e regulamentações nas redes, rapidamente explorou as brechas do sistema, resultando em escândalos como o da Cambridge Analytica, o Brexit, a eleição de Trump em 2016 e o consequente fortalecimento da extrema direita mundial.
Atualmente, enfrentamos o paradoxo de a extrema direita não saber como resolver os problemas, mas oferecer soluções simplistas, enquanto o campo progressista debate profundamente as causas, mas sem apresentar respostas simples. Esse dilema se reflete em toda a comunicação digital, pois a mentalidade progressista ainda não está alinhada às dinâmicas das redes sociais, e os que tentam se adaptar muitas vezes recorrem às táticas da extrema direita.
O desafio se intensifica, pois os algoritmos favorecem o neofascismo, seja pela atração do discurso sensacionalista, seja pelo poder econômico dos indivíduos dispostos a financiar essa ideologia. Mas uma coisa é certa: os algoritmos estão promovendo conteúdos de extrema direita, criando um ciclo vicioso no qual o conteúdo extremista gera mais engajamento, e, para aumentar o engajamento, adere-se ao conteúdo extremista.
No fim das contas, o lucro nos levou ao atual paradoxo político e o capitalismo de plataforma tornou-se a arena de disputa. Porém, esta arena não é neutra e a mensagem da extrema direita, por oferecer soluções imediatas, embora irracionais, circula com mais facilidade. Memes, reações e tendências se encaixam com dificuldade na linguagem progressista, mas fluem naturalmente na narrativa da reacionária.
Vivemos em um ambiente de guerras híbridas, em que a direita mundial está profundamente conectada e goza de amplo financiamento dos abastados, posicionando-se como antielite, apesar de serem serviçais dos interesses dessa mesma elite. Essa adequação é natural para quem escolhe o caminho mais curto, mais fácil e mais rápido, apesar de não levar a lugar algum, ou pior, a destinos indesejáveis.
Este cenário informacional nos conduziu à nossa condição contraditória atual, em que imigrantes votam em Trump, gays escolhem Bolsonaro, negros brasileiros são eleitos pelo Chega em Portugal e “autônomos” dos aplicativos de transporte e entregas reclamam da regulamentação. E assim, a pedra lançada lá do Muro de Berlim atinge em cheio o entregador do iFood no Brasil, que foi capturado pela teia da extrema direita no ambiente digital.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.