OPINIÃO

Se quiser 2026, a esquerda precisa se converter – Por Pastor Zé Barbosa Jr

A esquerda parou no tempo de seus mitos fundantes. O passado não pode ser um estacionamento de ideias, mas uma linha de largada

Pastor Zé Barbosa Jr @pastordeesquerda.Créditos: Reprodução
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Não! Não leia só o título. Eu peço a você, leitor, um favor: vá até o fim do texto caso queira criticar o que estou expondo aqui. Já basta tudo o que estamos enfrentando nesses tempos de ódio, mentiras e cancelamentos. No nosso horizonte só a certeza de que, do jeito que está, não conseguiremos êxito nas próximas eleições e estamos diante da possibilidade de uma lavada da extrema-direita, aliada ao pior do centrão (se é que há alguma coisa boa no centrão).

Antes que me acusem de pessimista, quero dizer que sou do time do “copo meio cheio”, mas isso não impede de ver a realidade gritante da parte vazia do copo. Sou, como diria Ariano Suassuna, um “realista esperançoso”. Os anos de militância e decepções não me fazem desacreditar de um futuro melhor para o Brasil. Resisto no esperançamento das ideias e na luta por “dias melhores, pra sempre”.

Além disso sou pastor, o que me faz, por consequência, um acreditante (para não usar o termo “crente”, tão surrado e desgastado em nossos dias). A utopia do reinado de Deus, tema central da Teologia da Libertação e de outras vertentes cristãs, faz com que o anseio por uma nação “onde a justiça flua como um rio” me leve ao enfrentamento dos que oprimem, tanto pela religião quanto pela política, mas que também erga a voz, “profeticamente”, ao perceber coisas que possam atrapalhar nossa caminhada e busca por uma realidade mais justa e igualitária.

Na fé cristã, uma das palavras mais utilizadas e mal interpretadas, sem dúvida é o vocábulo “arrependimento”, uma tradução mal ajambrada do termo grego “metanoia”, que levaria, no senso comum dos religiosos, a uma “conversão”. Arrependimento, portanto, seria um quase remorso aliado à culpa e ao medo de errar. Acontece que metanoia nunca foi a ideia de “mudar de rota” ou “ficar chorando as pitangas” dos erros cometidos, mas sim uma “ampliação da percepção”, ver além, enxergar novas possibilidades, aumentar o campo de visão e reconhecimento da realidade. E é aqui que eu digo que a esquerda precisa se “converter”.

A esquerda parou no tempo de seus mitos fundantes. 1917, no cenário mundial e 1980 (com a criação do PT no Brasil) são momentos importantíssimos na nossa história, mas se não forem entendidos como pontos de partida nunca realizarão plenamente suas existências. O passado não pode ser um estacionamento de ideias, mas uma linha de largada. A metanoia é então, mais que desejada, necessária. A própria caminhada nos exige a ampliação das ideias. “Já não se fazem políticos como antigamente” porque já não existe a política de antigamente.

A esquerda no Brasil se construiu basicamente sobre dois pilares: o movimento sindical e os intelectuais acadêmicos (principalmente das ciências sociais). O advento do PT transformou os dois pilares num tripé: sindicalistas, intelectuais e... movimento religioso popular – as famosas Comunidades Eclesiais de Base – CEB’s. Mas os tempos mudaram: os sindicatos perderam muito de sua força após constantes ataques neoliberais, a intelectualidade foi substituída pelos influenciadores, tanto digitais como midiáticos e a religiosidade católica ruralista e operária e militante viu seu espaço desmoronar diante dos constantes ataques dos Papas João Paulo II e Bento XVI e do crescimento vertiginoso dos evangélicos, principalmente de sua vertente pentecostal nas periferias.

No lugar dos sindicatos, surgiu uma nova realidade trabalhista, que reconhecemos como precarizados, mas que se entendem como empreendedores e tratá-los como alienados (não no sentido marxista) e “burros” não nos favorecerá em nada. Precisamos nos “converter” e entender essa realidade a partir das dores dessas pessoas e não dos nossos gabinetes refrigerados e confortáveis, com análises “sociológicas” de laboratório. E não se organizam mais em sindicatos, mas em coletivos, agrupamentos. As mesas deram lugar às rodas de conversa e os poderosos nem “existem” (UBER, 99, Ifood, etc). Novas realidades exigem novas metodologias. Converter-se significa, então, não desprezar a luta histórica sindical mas “acoplar” na conversa os novos movimentos, com outra linguagem. Metanoia!

Os intelectuais acadêmicos perderam espaço para os influencers, os artistas midiáticos e uma nova configuração de informação à qual estamos anos-luz atrás, pela explosão de redes sociais e canais de “informação” com conteúdos deploráveis e deturpados, mas com excelente qualidade na apresentação. Negar essa realidade ou chamá-la somente de imbecis e “pobres de direita” não nos levará nunca ao diálogo necessário. Precisamos renunciar aos intelectuais? Claro que não! Mas precisamos ampliar o espectro das ideias, “pegar a visão”, dialogar com quem, na base real (não essa imaginária do discurso político), faz a coisa acontecer. Metanoia!

Por fim, e talvez o mais importante neste momento, entender a migração religiosa que aconteceu no Brasil. E dialogar com ela. E dialogar não significa (como o governo parece achar) fazer propagandas com expressões como “aleluia”, “glória a Deus” ou “que benção!”, muito menos se aliar aos poderosos da religião, que mais cedo ou mais tarde darão o golpe,  mas entender que a realidade evangélica periférica é, majoritariamente, negra, feminina e empobrecida, e esses atravessamentos são essenciais para a “dialética histórica”. A esquerda precisa, nesse aspecto, ser mais EVANGÉLICA, portadora de BOAS NOTÍCIAS (significado literal da palavra evangelho) e esperanças para o povo sofrido. Evangelho é, antes de qualquer coisa, comunicação.

Que esperança tem a mãe que está orando na igreja pelo seu filho negro, tido pela polícia (mesmo as dos estados “esquerdistas) como marginal e “matável”? Que sonhos pode ter o motoboy que rala o dia inteiro para, no fim do dia, não conseguir nem suprir a geladeira da sua família? Qual a fé que sustenta um povo esquecido pelos governantes e que só é lembrado e cogitado de 2 em 2 anos, de agosto a outubro? Acreditem, se não fosse o fator “Deus” essa gente já teria desistido da vida há tempos. Como desistem os ricos quando perdem um pouco da riqueza. Precisamos nos converter a essa realidade. Ver além, enxergar mais. Metanoia!

Há caminhos! Há possibilidades! E encerro com um recado bem bíblico à esquerda que faço parte:
“Arrependam-se (mudem a percepção) e creiam no Evangelho (que boas notícias virão)!

O copo está meio cheio! Vamos em frente!

 

* Zé Barbosa Jr é teólogo, historiador, pastor da Comunidade Batista de Jesus em Campina Grande – PB e colunista da Revista Fórum

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.