OPINIÃO

“Ninguém foi mais de esquerda que Jesus.” Lula errou ao dizer isso? – Por Pastor Zé Barbosa Jr

Jesus pode não ter sido de esquerda, mas a esquerda, disparadamente, se aproxima mais daquilo que Jesus ensinou

Crucifixo esculpido pelo padre jesuíta espanhol Luis Espinal.Créditos: Reprodução
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Na noite desta quinta-feira (17) ao falar num comício em Camaçari, na Bahia, o presidente Lula afirmou que Bolsonaro não acredita em Deus, e completou dizendo que “ninguém foi mais de esquerda do que Jesus Cristo”, ao citar o compromisso de Jesus com os pobres. A fala repercutiu nas mídias e nas redes e, como pastor, teólogo e alguém totalmente envolvido e apaixonado pelo Evangelho e pela pessoa de Jesus, gostaria de tecer algumas considerações, sobre erros e acertos do presidente em sua “polêmica” fala.

Que Bolsonaro não acredita em Deus, até aí novidade nenhuma. Tem que ser, e infelizmente existe gente assim, muito alienado e desconhecedor do Evangelho para acreditar que o Jair “Messias” tem alguma coisa a ver com o Messias que as igrejas católicas e evangélicas dizem que creem. É um aproveitador da fé alheia, posando de católico quando interessa impressionar os católicos ou de evangélico (inclusive se batizando no Rio Jordão) quando quer impressionar os “crentes”.

Mas ao dizer que “ninguém foi mais de esquerda do que Jesus Cristo”, Lula comete alguns erros e uns poucos acertos, a meu ver. E é claro que minha opinião também pode estar equivocada e despertar reações favoráveis ou contrárias, mas escrevo, como já disse, de um certo lugar de fala: evangélico, teólogo, pastor, seguidor de Jesus e declaradamente de esquerda. E, além disso, tenho um curso na plataforma da Fórum exatamente sobre esse tema: "Cristo e o Socialismo - Uma União pra Lá de Possível". Então teço meus comentários.

Quero começar pelos acertos, pois pela lógica do presidente e historicamente falando, com raras exceções, a esquerda sempre teve a preocupação com os empobrecidos, com os excluídos pela sociedade, com a equidade das oportunidades para todas as pessoas, etc, características plenamente visíveis no ministério de Jesus narrado pelos evangelistas nos quatro livros que abrem o Novo Testamento. Neste sentido, pelo que entendemos de esquerda, ninguém é tão radical nesse espectro quanto o pobre de Nazaré, que nasceu na periferia da Judéia e incomodou tanto o Império Romano que foi torturado e morto por ele. Há, então, um quê de acerto na fala de Lula.

No entanto, e sejamos coerentes com a história, os fatos e a ordem cronológica, Jesus vive muito antes de existir o conceito de esquerda e direita no imaginário político. Jesus, então, não poderia ser “de esquerda”, nem mesmo “o primeiro comunista” como querem alguns, porque simplesmente esses conceitos políticos, sociológicos e filosóficos não existiam ainda. Mas, e aqui é importante que se diga: se, HISTORICAMENTE, Jesus não foi de esquerda, também não foi de direita, pelos mesmos motivos citados acima, muito menos um abençoador do capitalismo.

Creio que, na ânsia de se comunicar com o povo evangélico, onde ainda enfrenta resistência e rejeição (inexplicáveis politicamente falando e tocarei nisso), Lula coloca “a carroça na frente dos bois”. Seguindo a lógica, a meu ver, correta de que o ministério de Jesus é muito mais próximo do que hoje entendemos como esquerda, Lula inverte a ordem do discurso e pode ainda, com isso, causar mais estranhamento com aqueles a quem queria comunicar. Um crente mais conservador não aceita muito bem a frase “ninguém foi mais de esquerda do que Jesus”, porque para nós, cristãos, Jesus é o princípio de tudo, é em torno dele que as coisas ganham sentido.

E é aqui que fica a minha dica para o presidente, concordando, como disse, com a sua lógica, mas propondo um discurso mais coerente historicamente e que, particularmente, uso em minhas análises quando alguém, afoito por fazer valer essa verdade também me diz que “Jesus foi o primeiro comunista” ou “Jesus é de esquerda”: proponho a inversão da narrativa, que considero totalmente plausível e real: Jesus pode não ter sido de esquerda, mas a esquerda, disparadamente, se aproxima mais daquilo que Jesus ensinou. Então, ao invés de “ninguém foi mais de esquerda do que Jesus” eu diria, sem pestanejar, “ninguém é mais próximo de Jesus (na política) do que a esquerda”, que “a esquerda defende os ideais de vida plena que Jesus tanto falou”.

É por isso que sou pastor e de esquerda. E quem tem que se explicar é quem é pastor e de direita. Como é que consegue pregar o Evangelho que fala da inclusão de pessoas, do fim da opressão, da partilha do pão, da reforma agrária e defende um sistema baseado no acúmulo de riquezas (que Jesus condena veementemente), na exclusão dos pobres e na opressão dos menos favorecidos. Ele é quem tem que se explicar, não eu.

Por fim, para que fique bem dito por que defendo essa ideia, valho-me da análise do próprio Jesus sobre o que é uma nação abençoada, no texto de Mateus 25: “Eu estava com fome, e vocês me alimentaram; Eu estava com sede, e vocês me deram de beber; Eu estava sem casa, e vocês me deram um quarto; Eu estava com frio, e vocês me deram agasalho; Eu estava doente, e vocês me visitaram; Eu estava preso, e vocês vieram me ver’. (...)O Rei dirá: ‘Afirmo esta verdade solene: toda vez que vocês fizeram essas coisas a algum marginalizado ou excluído, aquele era eu — estavam ajudando a mim.” (Bíblia “A Mensagem”)

Leia novamente este texto bíblico e responda honestamente: em qual projeto de governo essas verdades foram vivenciadas? Nos governos da “esquerda” ou nos tempos de fome, miséria e violência de Bolsonaro? As propostas de alimentar a quem tem fome, dar casa a quem não tem, de uma saúde gratuita e acessível a todas as pessoas e uma política de segurança pública que busque a recuperação e a ressocialização do indivíduo ao invés do punitivismo do “bandido bom é bandido morto” se aproximam mais dos governos “de esquerda” ou dos governos “liberais” e “de direita”?

Agora diga a verdade... Lula não errou tanto assim, né?