Não é de hoje que me causa estranheza justamente a estranheza que é causada quando me apresento como “um pastor de esquerda”, quase sempre seguida da pergunta: “como assim você é pastor e é de esquerda?”. Minha resposta, categórica, tem sido a mesma há alguns anos: “você fez a pergunta à pessoa errada. A pergunta, na verdade, deve ser feita a um pastor de direita: como ele consegue ser pastor e defender uma política de acúmulo de riquezas, desigualdade social (apelidada de “meritocracia”) e exclusão dos mais pobres? É ele quem tem que se explicar, não eu.”
Então por que esse espanto quando se ouve falar de evangélicos de esquerda? E o mais interessante é que esse “susto” também acontece entre pessoas de esquerda, o que só me reforça a ideia de que o discurso “comum”, longe da realidade, prevaleceu. Um discurso que a direita faz questão de reforçar a cada momento e que, caso não o enfrentemos, predomina e predominará em momentos cruciais de nossa política, como em votações importantes de Projetos de Lei e Emendas Constitucionais quanto, principalmente, em épocas de eleições.
Sim! Sou cristão e de esquerda, com muito orgulho! Aliás, não consigo imaginar outra posição política exatamente por parte do meu compromisso com o Evangelho. Não consigo imaginar um cristão que não queira uma sociedade mais justa, um Estado verdadeiramente laico (pauta defendida historicamente pelos Batistas, por exemplo), menos violência, direitos plenos a quaisquer cidadãos independente de sua classe, raça, gênero ou orientação sexual. Estas pautas, em total acordo dos Evangelhos, são pautas típicas da esquerda e não da direita.
Do outro lado, dos “cristãos de direita” e hoje, mais ainda, da extrema-direita, o que existe é a manipulação e deturpação do discurso da esquerda por parte dessas pessoas que, incrivelmente, se apresentam como cristãs, mas não medem esforços para disseminação de mentiras, acusações levianas e ainda mais apoiam governos e políticos totalmente distante da lógica evangélica do amor ao próximo e da justiça social, características que deveriam ser marcantes nos seguidores do Cristo.
Responda sinceramente: onde você encontra mais, na política, os requisitos do Evangelho para o “julgamento das nações” (Mateus 25.35-36) , que são “tive fome e me destes de comer” (política de segurança alimentar), “tive sede e me destes de beber” (política de saneamento básico), “estava nu e me vestistes” (políticas de dignidade humana), “era estrangeiro e me acolhestes” (políticas de relações internacionais e acolhimento a refugiados), “estava doente e me visitastes” (política de saúde pública) e “estava preso e fostes me ver” (política de segurança pública não punitiva, mas educativa e ressocializadora)? Você vê mais essas pautas defendidas pela esquerda ou pela direita? Não é preciso pensar muito para responder, né?
Evangélico e de esquerda, sim, porque encontro nesse espectro político os ideais que defendemos como cristãos. Sou de esquerda e cristão porque é o espaço político onde exercemos de forma mais plena tudo que aprendemos com o revolucionário de Nazaré, Jesus, o pobre, o amigo dos excluídos, o “terror de César”, o espinho no pé da proposta desumana e perversa de um império que, por sentir-se ameaçado pela revolução do amor, mandou crucificá-lo!
Sim, Jesus foi um preso político, um “bandido” para os “cidadãos de bem” da época. Fosse em nossos dias, certamente seria chamado de “comunista”, de “petralha”, “defensor de bandidos” e coisas assim... e seria novamente morto por aqueles que ainda hoje vociferam “Deus, pátria e família!” e com certeza sua morte seria comemorada por gente vestida de verde e amarelo, com bandeiras de Israel nas mãos, com camisetas em homenagem a Ustra, o grande torturador da Ditadura Militar. E gritariam como gritou aquela multidão ensandecida diante de Pilatos: “O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos.” (Mateus 27:25)
E assim, seguimos, no Caminho do Nazareno... à esquerda, ao lado dos pobres e excluídos, sempre!
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.