Após cadeiradas e socos, o último debate do primeiro turno das eleições em São Paulo, realizada pela TV Globo na noite desta quinta-feira (3), foi morno, mas mostrou alguns caminhos interessantes sobre a eleição e o consolidado segundo turno, que ouso adiantar - e explico os motivos abaixo - se dará entre Guilherme Boulos (PSOL) e Pablo Marçal (PRTB).
Nas campanhas, em especial a de Boulos, o zero a zero no último debate foi considerado uma goleada, dada às expectativas de uma avalanche de mentiras, ataques e até mesmo violência física.
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Grande sensação da disputa paulistana, o agitador Marçal chegou adestrado à emissora da família Marinho, principal porta-voz dos neoliberais, após receber "códigos" de apoio da Faria Lima.
Bem comportado, de mocassim e camisa polo, o ex-coach mostrou seu calcanhar de Aquiles e provou do próprio veneno no terceiro bloco ao se desestabilizar emocionalmente quando o adversário do PSOL lhe tirou a pele de cordeiro, mostrando que o lobo que se diz "antissistema" tem conexões profundas com egressos da trupe do ex-tucano João Doria, uma novidade passageira de anos atrás.
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Raivoso, Marçal arrancou as vestes de bom moço e sacou a lorota de não ter usado dinheiro público na campanha para tergiversar. Na réplica, Boulos ainda sinalizou ao eleitorado feminino, lembrando o desrespeito do adversário com as mulheres.
No quarto bloco, o ex-coach tentou provocar Boulos com outra velha máxima da ultradireita sobre a "invasão" de casas pelo "MST". O psolista se saiu bem mais uma vez citando as mais de 15 mil residências conseguidas na luta ao lado do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, o MTST, e lembrando da enganação do ex-coach com o projeto de construção de 30 casas na África.
Na réplica, Marçal mostrou ainda mais desespero, implorando desculpas "ao povo de São Paulo se alguma coisa eu fiz nessa campanha". "Me perdoa se te magoei com alguma palavra", apelou o ex-coach, antes de colocar os dentes de fora e falar em "biqueiras", voltando à antiga e mentirosa acusação sobre uso de cocaína.
Boulos, então, teve a chance de dar a melhor resposta e apresentar um exame toxicológico como vacina contra a tentativa do ex-coach de emplacar uma nova fake News ao final do debate - e, praticamente, da campanha eleitoral.
"Tá aqui, fiz o exame toxicológico e vai subir nas minhas redes sociais. Faça o seu, Marçal. Faça o psicotécnico também", disparou Boulos, diante de um incrédulo e desnorteado Marçal.
Boulos ainda seguiu à risca dois conselhos de Lula, com quem fez uma live horas antes: apelou ao voto feminino e "falou com o coração", usando um tom mais emotivo e sincero do que nos debates anteriores. Mostrou-se bem mais assertivo.
Segundo turno
Após as pesquisas confirmando o derretimento de Nunes, com os bolsonaristas debandando fortemente para a candidatura Marçal, o debate colocou um fim ao primeiro turno das eleições em São Paulo.
Com ligação com o PCC escancarada, com o ex-cunhado de Marcola na chefia de gabinete de sua gestão, e sem a propaganda de rádio e TV, o atual prefeito não tem como reagir ao ascendente Marçal, que pode aproveitar os minutos finais para jogar Nunes ainda mais para baixo, colando o prefeito no índice que deve ser obtido por Tabata Amaral (PSB) na votação.
Nunes naufragou no cenário político, amarrando âncoras nos pés de Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos) e Valdemar da Costa Neto, seus fiadores. Resta agora só acabar com a invasão que fez na prefeitura paulistana, onde chegou à reboque da eleição de Bruno Covas, que morreu em março de 2021.
Outro que imerge para nunca mais falar em se lançar candidato é José Luiz Datena (PSDB), que leva junto o já combalido PSDB paulistano e seu guarda-roupa Louis Vuitton.
Tabata sai da eleição mais forte que entrou e pode até mesmo virar alvo de flerte da Faria Lima com o neotucanismo propagado na campanha na capital paulista.
O segundo turno já está definido. E será sangrento. Marçal tentará arregimentar as demais fileiras do bolsonarismo e não será surpresa se houver aproximação até mesmo de Nunes e seu espólio. Tarcísio vai querer construir pontes para não ser deixado nu na tentativa de reeleição em 2026.
Para Boulos, o debate na Globo serviu como ensaio para enfrentar o que virá a partir de segunda-feira, dia 7.
Mais do que a presença de Lula, Boulos deve seguir os conselhos do ex-presidente e falar com emoção sobre o que realmente pretende para São Paulo.
Assim como tirou a pele de cordeiro de Marçal - que vai mostrar ainda mais os dentes no segundo turno -, o ex-líder do MTST deve assumir, com orgulho, seu passado de luta.
Boulos ainda tem que repetir o que foi o grande acerto nesse debate: desestabilizar emocionalmente Pablo Marçal.
Mais que uma eleição, o ex-coach tem um projeto pessoal e de negócios com o pleito paulistano. Independentemente da vitória, Marçal vai ganhar muito dinheiro depois fazendo marketing de que suas estratégias e "códigos" funcionam até no plano político.
Graduado em Filosofia e mestre em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da USP, Boulos precisa desmascarar a verdadeira farsa que representa Marçal, fazendo com que o ex-coach prove do próprio veneno, desestabilizando-o emocionalmente de vez.
Dessa forma, poderá mostrar que o "outsider" busca apenas trazer para a política uma nova roupagem - da "teologia coaching" - para travestir os velhos interesses dos endinheirados do sistema. Sim, do sistema que ele representa e ganha milhões com ele.
Uma roupa que já vestiu Fernando Collor, FHC e, mais recentemente, Bolsonaro. E que é usada por boa parte dos "democratas" que entraram na Frente Ampla para eleger Lula em 2022.
Para isso, Boulos precisa arrancar as vestes colocadas pelo marqueteiro e mostrar simplesmente quem realmente é e quais interesses defende.
Não dá para falar de desigualdade social usando terno e mocassim semelhante ao de Marçal. Tem que arregaçar as mangas e mostrar que o que oprime e leva milhões de pessoas à informalidade é o velho conluio entre os financistas, a direita e a mídia em torno das fantasias neoliberais.
Boulos precisa decidir, já no domingo, com qual roupa irá para o segundo turno. Ai poderá finalmente ocupar o Edifício Matarazzo, a sede da prefeitura paulistana, e barrar a reintegração de posse da velha burguesia paulistana, agora com a milícia digital de Pablo Marçal.