Dora Morelenbaum, cantora e compositora, integrante da banda Bala Desejo, acaba de lançar “Pique”, seu primeiro álbum solo. E há duas coisas que sobram no disco e chamam atenção logo de cara.
A primeira delas é a coragem. Dora é filha do violoncelista e arranjador Jaques Morelenbaum, um dos mais prestigiados da nossa música. Não bastasse isso, sua mãe é a cantora Paula Morelenbaum, com vasta carreira nacional e internacional.
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“Pique” é carregado de coragem porque não segue na cola nem de um nem do outro. Dora segue seu próprio caminho, sem renegar as origens e a família. Trata-se de um álbum jovem e moderno, com sotaque próprio.
Ao invés de recorrer à família, particularmente o pai, produtor de álbuns memoráveis, ela optou por alguém de sua geração, a também cantora e compositora Ana Frango Elétrico. O resultado final é justamente o que chama a atenção para a outra faceta que sobra no álbum: seu talento.
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Capa de "Pique". Foto de Maria Cau Levy e Ana Frango Elétrico
Lugar ao sol
O fato de nascer em uma casa repleta de artistas excelentes não garante um lugar ao sol para ninguém. Exemplos de sobra estão por aí para provar. Em vários casos isso funciona até mesmo como um entrave. Definitivamente não é o caso de Dora. Trata-se de uma ótima cantora, compositora de mão cheia e, sobretudo, com grande vontade e capacidade de invenção.
Além de Ana Frango Elétrico, outra presença marcante de “Pique” é Tom Veloso. Parceiro em quase metade das canções, ele é outro filho de gente ilustre que conseguiu encontrar – e muito bem – o próprio caminho. Além dele, ainda aparece o companheiro da banda Bala Desejo, Zé Ibarra.
O disco abre com a bela “Não vou te esquecer”, dela e Tom, que sugere várias direções, tanto sonoras quando em seu refrão, que reafirma: “não vou te esquecer, nem te procurar”.
Outro dos destaques do disco é a ótima “Venha Comigo”, de Sophia Chablau, canção curta que, com “Sim, Não” na sequência, formam um ótimo momento pista de dança, que nos remete ao melhor da black music carioca, com o suingue solto, metais e piano Fender Rhodes.
Em “Essa Confusão”, parceria com Zé Ibarra, Dora “permite” finalmente ao pai um belo arranjo de cordas. É impossível não lembrar, com a linda canção e a comovente interpretação da cantora, os grandes álbuns de Gal Costa dos anos 70.
Tem muito mais no álbum, mas deixo para o leitor/ouvinte. Para encerrar, um destaque: “VW BLUE”. Um tema instrumental vocalizado pela compositora em que ela “libera” para que desçam a lenha os músicos Alberto Continentino, no baixo; Sérgio Machado, na bateria; Guilherme Lino na Guitarra e Luiz Otávio nos teclados.
“Pique” segue assim, com várias referências e, ao mesmo tempo, nenhuma cópia ou imitação. Um som único e original, coisa de quem ouviu muito e construiu sua obra a partir do todo. A música de Dora Morelenbaum vem de um tempo e espaço bem nítidos. Quase se pode enxergar por onde ela anda, como se fossem imagens sonoras.
Vale cada nota, cada cor, cada segundo.