Eis a questão que os cientistas sociais não conseguem responder. Recentemente, pesquisas apontaram para uma maior e crescente rejeição da indicação ou mesmo direção de voto dada pelo pastor da igreja à sua congregação. Um dado importante que deve ser celebrado. Todavia, ele tem sido interpretado como uma declaração de independência política dos fiéis em relação aos seus líderes. Será isso mesmo? Será que estaríamos testemunhando a tão sonhada maturidade política da comunidade evangélica?
Infelizmente não trago boas novas. A possível recusa pelo chamado "voto do cajado", conquanto represente um avanço, não parece ser resultado de maturidade política e sim de respeito pelo sagrado. O fiel evangélico tem repulsa pela profanação do "altar" com assunto tão mundano como a política partidária. Isso não quer dizer que o pastor não siga cadenciando votos. Só indica que ele está usando outros meios que não o púlpito. Por esta sensibilidade, tenho curiosidade de saber como a pergunta foi recebida pelos entrevistados... Se a conexão mental foi com o púlpito, não me espantaria o retorno que teve. Mas e se fosse consultado: você considera importante a leitura política que seu pastor faz? Penso que, neste caso, o retorno seria diferente.
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Senão, como explicar a persistência da redoma na avaliação do governo Lula entre os evangélicos? Quem forneceu essa leitura demonizante do presidente, além da infeliz fórmula da incompatibilidade entre fé cristã e pensamento de esquerda? Não é crível pensar que isso seja resultado da construção da massa evangélica, especialmente dos muitos crentes dignos que não tiveram oportunidade de estudar. Isso é projeto da liderança eclesiástica que ganha a vida das comunidades de fé através das redes sociais, dos grupos de conversa, do material de estudo dominical, e das afirmações de púlpito que reforçam a tese. Não mais o voto do cajado, o apadrinhamento de um candidato; agora, a eliminação de todo um segmento político. É o voto por exclusão.
Ao invés de se pedir o voto para um candidato específico, faz-se de modo indireto ao desqualificar as demais candidaturas pela estigmatização da esquerda. Tal postura não se restringe a política partidária: ela alcança as próprias comunidades de fé quando a conversão e testemunho de muitos crentes fiéis são desconsiderados, invalidados até, pelo falso axioma posto que assevera que um crente não pode ser de esquerda. A sacralização do capitalismo é uma das dimensões mais violentas que o projeto Neoliberal conseguiu empreender.
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A verdade é que pastores seguem fornecendo uma leitura da realidade para suas congregações. Nesse sentido, ele não precisa recitar o número do candidato: basta não reconhecer a contribuição da outra parte. Tenho dito reiteradamente e mais uma vez repito: pastores podem fornecer uma leitura enviesada das melhorias sociais no Governo Lula, atribuindo-as a Deus que, em seu infinito poder, usa até mesmo um "filisteu" como Lula para abençoar Seu povo. A redoma ganha mais camadas em sua espessura.
Recentemente tivemos um exemplo disso. O mesmo Ottoni de Paula que orou por Lula no Planalto, pouco tempo depois o chamou de "Capeta" e de "endemoniado" em uma entrevista, não antes de sublinhar que Deus tem o poder de abençoar o seu povo, usando de maneira surpreendente quem Ele quer.
Ora, ao ofertar esse tipo de interpretação, os pastores seguem influenciando suas respectivas comunidades de fé. Não só aquelas que ainda estão aprisionadas ao modelo do voto do cajado, fato que as pesquisas registram; mas sobretudo nas demais formas de influenciar e direcionar o povo evangélico em uma direção na qual as pesquisas não conseguiram captar no seu radar.
Aliás, quer saber se as lideranças pastorais influenciam o voto das pessoas? A pergunta primeira no questionário deveria ser: é possível ser cristão e de esquerda? A segunda questão: quem disse para você que é impossível conciliar as duas coisas? Eis a onda, o indicador, que vibra pelo subwoofer, abaixo da captação dos instrumentos políticos de mensuração.
Enquanto a política for vista como essencialmente mundana e suja; enquanto a mentalidade evangélica persistir murando e isolando a religião dela; enquanto os evangélicos insistirem em não compreenderem a dimensão da Teologia Pública dos profetas bíblicos, muito pouco desse quadro será alterado. A má influência persistirá, ainda que ganhe diferentes formas, modos e nomes. Infelizmente.
*Sérgio Dusilek - Pastor batista; Doutor em Ciência da Religião pela UFJF/MG; Pesquisador em Estágio de Pós-Doutoramento pelo PPG em Letras da UEMS
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.