A interação amigável entre o deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ) e o presidente Lula (PT) durante a cerimônia de sanção da lei que institui o Dia Nacional da Música Gospel gerou desconforto entre líderes religiosos e membros da bancada evangélica no Congresso. Otoni, que chegou a ser vice-líder do governo Bolsonaro, foi acusado de traição política por líderes fundamentalistas após elogiar o presidente Lula em um evento no Palácio do Planalto. Em sua defesa, o deputado afirmou que estava cumprindo seu papel institucional.
Durante a solenidade, uma declaração específica de Otoni provocou indignação entre os evangélicos. Ele agradeceu a Lula por sancionar a Lei de Liberdade Religiosa em 2003, ressaltando que a legislação permitiu que igrejas obtivessem personalidade jurídica própria, corrigindo questões no Código Civil.
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"Graças ao senhor, as igrejas passaram a ter personalidade jurídica, deixando de ser simples entidades como clubes de futebol. Cada igreja passou a ter direito de fazer valer seu próprio estatuto", afirmou Otoni.
O empresário da fé Silas Malafaia foi um dos primeiros a se pronunciar, repudiando a atitude de Otoni: "O deputado Otoni de Paula até pouco tempo chamava Lula de ladrão e corrupto. Isso é estranho, não? Não era Bolsonaro? E ele mentiu: quem garantiu a liberdade religiosa no país foi a Constituição Federal", questionou Malafaia.
Sóstenes Cavalcante, que é o representante de Silas no Congresso, integrante e ex-presidente da bancada evangélica, também criticou Otoni, afirmando que ele deveria ter recusado a função de representar o líder Silas Câmara, afastado por questões de saúde: "Ele poderia ter cumprido a missão sem exagerar nas falas. Para quem foi vice-líder de Bolsonaro, as falas para Lula foram desvencilhadas da realidade. No lugar dele, não iria. Teria pedido para outro deputado ir no meu lugar, mas ele está caminhando cada vez mais à esquerda. O perfil do Otoni é ser governo, sem importar quem", declarou Cavalcante.
Além das críticas a Otoni, tanto Malafaia quanto Cavalcante consideraram a cerimônia como "oportunista". Segundo eles, a sanção da lei era uma obrigação do presidente, que enfrentaria reação do Congresso caso decidisse vetá-la. O bispo Robson Rodovalho, fundador da Sara Nossa Terra, também se juntou às críticas, afirmando que a sanção da lei não tem impacto significativo na relação com os evangélicos.
"Tivemos leis de maior impacto. A sanção não tem impacto nenhum. O que transparece é algo 100% político porque não houve nenhuma aproximação significativa conosco no sentido de estabelecer bases e respeitar os valores cristãos", disse Rodovalho. Sobre Otoni, Rodovalho evitou críticas diretas, mas alertou que o parlamentar deve se preocupar com os efeitos negativos de participar de eventos como esse.
Para Malafaia, os gestos de Lula não contemplam os evangélicos. Ele afirmou que a sanção da nova lei é “uma balinha” a favor do petista, diante de “um almoço e uma janta completa” contra. Malafaia citou a revogação de portarias antiaborto pela ministra da Saúde como exemplo de ações contrárias aos valores evangélicos. Sempre é bom lembrar que Malafaia já apoiou Lula e o elogiou diversas vezes no passado.
Otoni tenta se esquivar: Não sou petista
Questionado sobre as críticas, Otoni de Paula afirmou que estava cumprindo sua função de vice-presidente da bancada evangélica e destacou a importância de dialogar com todas as autoridades.
"Eu falei alguma mentira? Relembrei que em 2003, graças ao presidente, tivemos a lei da liberdade religiosa. Por conta disso sou Lula? Sou PT? Não, eu vou me manter dialogando com quer que seja e continuo sendo um parlamentar de direita e conservador. Chega dessa hipocrisia bolsonarista que faz que você finja que não dialoga no público, mas conversa no privado. Eu não preciso conversar com as câmeras desligadas", justificou.
Otoni destacou diferenças evidentes entre o governo atual e o de Bolsonaro nas pautas de costumes, mas elogiou a política social de Lula.
Esta não é a primeira vez que o deputado enfrenta críticas por suas posições políticas. Nas eleições do Rio de Janeiro, ele foi criticado por bolsonaristas ao coordenar a campanha do prefeito Eduardo Paes (PSD) entre os evangélicos.