De todas as facetas de Fernanda Montenegro possíveis, a que mais gosto foi a que nunca vi: a grande dama do teatro brasileiro. A Fernanda dos teledramas da extinta TV Tupi e, sobretudo, das novelas da Globo, a gente é testemunha. A atriz do cinema, do Auto da Compadecida, de Central do Brasil e tantos outros nem se fala.
No entanto, a Fernanda, grande dama do teatro brasileiro, como ficou conhecida, a gente só ouviu falar. Como a história do caviar do samba do Zeca Pagodinho, trata-se de uma iguaria que, infelizmente, muito poucos de nós provamos.
Te podría interesar
Mas sabemos que existe, está lá na memória afetiva do país. Sabemos, principalmente, que é imprescindível para termos chegado onde estamos hoje. Fernanda Montenegro, como todo grande artista, é parte fundamental da nossa construção histórica.
O teatro tem disso. É a arte seminal da interpretação, do texto, da cenografia, música e figurino. Tudo começa nele e todos os que trabalham envolvidos em qualquer espécie de dramaturgia sabem disso. Mas o teatro começa e acaba em si próprio. Quem viu, viu. Quem não esteve lá, apenas ouviu falar. E os parcos registros, filmagens etc. são frustrantes.
Te podría interesar
Locutora
Fernanda Montenegro começou como locutora na então Rádio Ministério da Educação e Saúde, atual Rádio MEC, onde fez radionovelas. Ao lado da sede da rádio, no Rio de Janeiro, ficava a Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, onde funcionava um grupo de teatro amador dos alunos. Pronto. Naquele momento e local deu-se o início de uma trajetória que mudaria para sempre a vida dela e de todo o Brasil.
Em 1959, ao lado do marido Fernando Torres e mais um time dos sonhos formado por Sérgio Britto, Ítalo Rossi, Gianni Ratto, Luciana Petruccelli e Alfredo Souto de Almeida, fundou a Companhia dos Sete.
E é essa Fernanda que a maioria de nós nunca viu, mas sempre amou. Fez inúmeros espetáculos inesquecíveis, tendo recebido vários prêmios – praticamente todos os possíveis dos que são distribuídos no país – por espetáculos como A Moratória (1955), de Jorge Andrade; Nossa Vida com Papai (1956); Vestir os Nus (1958); O Mambembe (1959), com direção de Gianni Ratto; Mary, Mary (1963), dirigido por Adolfo Celi; Mirandolina (1964), de Carlo Goldoni; A mulher de todos nós (1966), dirigida pelo marido, Fernando Torres; As lágrimas amargas de Petra von Kant (1982); Dona Doida, Um Interlúdio (1987), entre muitas outras peças.
O Oscar
Muito se fala da injustiça que foi Fernanda ter perdido o Oscar em 1999. Ela foi indicada pelo filme Central do Brasil, dirigido por Walter Salles. A nossa grande dama disputava com Cate Blanchett, Meryl Streep, Emily Watson e Gwyneth Paltrow, que ficou com o prêmio por Shakespeare Apaixonado.
Ao fim e ao cabo, o azar foi do Oscar. Como sempre, as devidas proporções econômicas determinaram o prêmio, que não teve e nunca terá importância alguma. Mal sabem eles que, enquanto suas atrizes cresciam e se desenvolviam em um mercado hiperdesenvolvido, repleto de escolas e referências, Fernanda Montenegro construiu a sua divindade em teatrinhos pequenos e toda a sorte de dificuldades. Foi grande, imensa em um universo pequeno e praticamente abandonado por décadas pelo poder público.
E é entre outras coisas por isso que a Fernanda – que a gente praticamente nunca viu – forjada com um profundo amor nos palcos dos teatros Brasil afora, nas situações mais adversas, que é e sempre será a minha Fernanda preferida.