OPINIÃO

Livro do Professor Viaro disseca universo coach e suas picaretagens

Charlatanismo, picaretagem e enganação sempre existiram. Porém, diferentemente de outrora, hoje isso é bem-visto, revestido na embalagem de pseudociência, pseudoteoria e pseudoconceituação

Livro Anticoach e Pablo Marçal com a medalha de "imbrochável" de Bolsonaro.Créditos: Reprodução
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O coachismo – espécie de versão laica da teologia da prosperidade – é um dos principais meios para difundir a racionalidade neoliberal entre as massas. Ou seja, as ilusões vendidas pelos Pablos Marçais da vida sobre enriquecimento fácil, self-made man, positividade desenfreada e meritocracia, sempre se aproveitando de incertezas e inseguranças alheias. Assim, lembrando o velho Marx, os pobres passam a adotar valores da classe dominante, como se fossem naturais e universais. 

Diante dessa realidade, desconstruir as picaretagens ditas pelos coachs, que cada vez ganham capilaridade ente o povão, é uma tarefa primordial para as forças progressistas, haja vista, por exemplo, o sucesso eleitoral do anteriormente citado Pablo Marçal (apesar de, felizmente, ele não ter ido ao segundo turno da eleição para a prefeitura de São Paulo). 

Nesse sentido, o primeiro livro do historiador e âncora do DCM, Professor Viaro, intitulado “Anticoach: a gênese do caos”, lançado pelo Emó Editora, nos oferece importantes reflexões para compreender este (nefasto) fenômeno contemporâneo.

Charlatanismo, picaretagem e enganação sempre existiram. Porém, diferentemente de outrora, hoje isso é bem-visto, revestido na embalagem de pseudociência, pseudoteoria e pseudoconceituação. Nesse sentido, o coach preenche (ou melhor, finge preencher) as demandas de nossa época por pertencimento a um grupo social, absorção rápida de informações, juventude eterna, ser feliz a todo instante, negação de qualquer tipo de tristeza, ter opinião sobre tudo e a busca por explicações simplórias para nossa existência. Para toda pergunta complexa, o coach tem respostas fáceis e o mantra: “eu posso, eu quero, eu sou o protagonista do meu sucesso”. Parafraseando um conhecido dito popular: mente vazia, oficina do coach.  

Como não poderia deixar de ser para uma ideologia que busca “explicação para todos os aspectos da vida”, o coachismo invade os mais diversos espaços da sociedade, além de seu “habitat natural”: o meio corporativo. Nesse ponto, encontra paralelos com outra teologia: a teologia do domínio.

O primeiro capítulo da invasão coach se dá estruturalmente pela linguagem, com o uso desenfreado de termos em inglês, como overview, Mindset e mindfulness, num repertório lexical que busca parecer chique, apesar de brega. 

O coachismo visa substituir os tratamentos psicológicos para ansiedade, depressão e síndrome do pânico, curar dependentes químicos, adentar (e tumultuar) a política partidária, liderar o mercado editorial (com livros de autoajuda 2.0), organizar a vida familiar (desde métodos para passear com cães, passando por manuais sobre como crianças devem administrar mesadas e chegando às ferramentas para educar os filhos), está presente nas escolas (seja com disciplinas sobre “inteligência emocional”, “projeto de vida” e “empreendedorismo”, ou em palestras motivacionais para educadores) e, é claro, encontra um terreno fértil em igrejas evangélicas. Nesse sentido, o Professor Viaro cunhou o termo “neopenteCOACHalismo”, para ilustrar os vínculos simbióticos entre coachismo e religião, caraterizados por discursos centralizados no “eu”, ao invés do nós. 

O coachismo prepara e formata o público para depois apresentar e vender a solução, com fórmulas prontas para problemas distintos. Desse modo, o sujeito passa a crer que pode tudo o que quiser, bastando que ele esteja em harmonia com o método e alinhado “quanticamente” com o universo (que sequer sabe de nossa existência, e passa a ser coadjuvante da vitória diária de todos os que aceitam tal procedimento de vida).  

Mas, no frigir dos ovos, se o indivíduo que seguir a cartilha coach não conseguir atingir os objetivos almejados (o que é praticamente certo), a culpa será exclusivamente dele. Afinal de contas, se você não consegue algo, é porque não se esforçou o suficiente. Dá para imaginar a frustração que isso causa nas pessoas (ironicamente, um dos sentimos matéria-prima do coachismo, o que retroalimenta a dependência de muitos em relação aos gurus da autoajuda 2.0). 

Conforme as palavras da editora Patrícia Crepaldi, “Anticoach: a gênese do caos” foi escrito com a maestria de um pesquisador, a didática de um professor e escrita e leitura fácil de um jornalista. Obra importante e necessária, que alerta e denúncia sobre a picaretagem que tomou e segue tomando nossa sociedade. Dialoga com outros influentes nomes presentes no debate público sobre a temática analisada, como Ranieri Costa, autor de “Teologia coaching: A ilusória ideologia de que nascemos só para vencer”, e Jessé Souza, e seu recém-lançado “O pobre de direita: A vingança dos bastardos”. 

Lembrando a síntese feita pelo Professor Viaro: o coach precisa ser enfrentado e defenestrado de todas as áreas em que o conhecimento sério é atacado e substituído pelo charlatanismo dessa prática. 

E essa tarefa cabe a todos nós!