“MANIFESTAÇÃO TÉCNICA”

Controle de manifestações que Milei quer ter na Argentina, PMs já têm no Brasil

Diferente da Ley Omnibus do tresloucado mandatário hermano, a Lei Orgânica das PMs recebeu pouca atenção tanto nas instituições como no debate público brasileiro

Montagem - Milei veste farda da PM paulista.Créditos: Montagem de Raphael Sanchez, da Revista Fórum. Fontes: Divulgação-PMSP e Wikimedia Commons
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Na última semana o tresloucado presidente argentino Javier Milei ganhou a atenção do mundo ao anunciar a sua ‘Ley Omnibus’, um pacotaço com 664 normativas que, entre outras coisas, prevê a entrega ao seu governo de poderes ditatoriais sobre a realização de manifestações públicas por movimentos sociais, políticos e comunitários. O conjunto de novas leis, que também dá poderes legislativos ao chefe do Executivo, ainda deve ser apreciado no Congresso da Argentina e, se aprovado, realmente instalará uma ditadura em nome de “la libertad” no país vizinho.

Chamado de “Lei de bases e pontos de partida para a liberdade dos argentinos”, no que diz respeito ao controle de manifestações de rua, a lei introduz novos controles no Código Penal, aumentando as penalidades para bloqueios de vias e piquetes, especialmente para os organizadores. O projeto estabelece a obrigatoriedade de notificar o Ministério da Segurança Nacional sobre qualquer reunião ou manifestação e dá ao ministério o poder de se opor à realização delas com base em questões de segurança.

Em outras palavras, enquanto corre solta a legalização e amplificação da farra de rentistas e do mercado financeiro sobre a economia argentina, o próprio Executivo, controlado por esses grupos, poderá apitar como, quando, quem, onde e por que os movimentos sociais e descontentes em geral poderão se manifestar.

O Brasil acompanhou a notícia apreensivo. Manchetes em todos os jornais, incluindo na mídia hereditária que de modo geral reconheceu o exagero do mandatário argentino, além de acalorados debates que tomaram as redes sociais acerca do projeto.

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No entanto, esse mesmo controle de manifestações que o ultraliberal Milei tenta aprovar na Argentina, as Polícias Militares já têm no Brasil. E quem diz isso é a Lei 14.751, ou Lei Orgânica das Polícias e Bombeiros Militares, de 12 de dezembro de 2023, que recebeu pouquíssima atenção institucional e midiática por aqui. E mais precisamente dito no seu Artigo 5º, que prevê o que “compete às polícias militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, nos termos de suas atribuições constitucionais e legais, respeitando o pacto federativo”.

Entre as competências das PMs em todo o território nacional, o inciso XVI diz o seguinte: “emitir manifestação técnica, no âmbito de suas atribuições constitucionais e legais, quando exigida a autorização de órgão competente em eventos e atividades em locais públicos ou abertos ao público que demandem o emprego de policiamento ostensivo ou gerem repercussão na preservação da ordem pública, realizar a fiscalização e aplicar as medidas legais, sem prejuízo das prerrogativas dos demais órgãos de segurança pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

Ou seja, com o subterfúgio da emissão de uma “manifestação técnica”, a PM pode decidir sobre a realização de manifestações políticas e eventos culturais em espaços públicos, ao invés de apenas realizar a segurança dos mesmos. Na prática, e dado o histórico da corporação, os críticos preveem uma série de episódios de censura contra aquilo que possa se enquadrar como 'simpático' ao seu “inimigo interno”, como ocupações de movimentos sociais, atos públicos e até mesmo shows de hip hop, funk e outros gêneros musicais.

Entre esses críticos estão Adilson Paes de Souza (pós-doutorando em psicologia social pela USP) e Gabriel Feltran (professor do Sciences Po, do Instituto de Estudos Políticos de Paris). Eles publicaram um artigo na Folha, dissecando e criticando a nova lei, cujo título traz um alerta: “nova lei é pior que decreto da ditadura”.

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“As corporações poderão proibir a realização de manifestações ou protestos em vias públicas? Poderão proibir a realização de determinadas manifestações culturais? Infelizmente, parece que sim. Temos presenciado a criminalização do funk e do hip hop, por exemplo, há anos. Com a sanção da lei, haverá amparo legal para isso. Há coincidências assustadoras entre a LOPM e o decreto-lei 667, de 1969. Os detalhes de redação são ardilosos: a norma da ditadura passou por uma espécie de harmonização facial para ganhar uma aparência mais jovem, uma ‘cara de democracia’. Estamos diante de um hipermilitarismo que combate os esforços civis para democratizar a segurança pública, reforçando a rota que nos trouxe à tragédia atual da segurança pública brasileira (…) A LOPM é antidemocrática e autonomiza e politiza as PMs, enquanto finge fazer o oposto”, dizem os articulistas sobre o trecho destacado nesta matéria.

É verdade que após a publicação do artigo supracitado, o presidente Lula (PT) suavizou a lei ao sancioná-la com 28 vetos propostos por ele e o seu governo. No entanto, o dispositivo que dá a prerrogativa de fazer “manifestações técnicas” sobre a realização de manifestações de rua e outros eventos às PMs não foi vetado. Será que nos sentimos ameaçados?