FIM DA DEMOLIÇÃO

Petrobras está no caminho certo e precisa investir no refino

Mahatma Ramos, do Ineep, analisa o primeiro semestre da gestão de Jean Paul Prates

Refino em alta.A Petrobras teve aumento de uso em seu parque de refino em agostoCréditos: Murilo Bueno, Twitter da Petrobras
Escrito en OPINIÃO el

A nova gestão da Petrobras dá indicativos de que está no caminho certo, afirmou Mahatma Ramos, do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (Ineep), em entrevista ao Fórum Sindical, conduzido pela historiadora Conceição Oliveira.

Mahatma diz que não é possível avaliar a gestão de Jean Paul Prates desconsiderando o desmonte feito na empresa a partir do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff em 2016.

Nas gestões de Michel Temer e Jair Bolsonaro, a estatal brasileira se desfez de 264 ativos, arrecadou R$ 202 bilhões e distribuiu a maior parte em dividendos aos acionistas.

Investidores estrangeiros controlam hoje mais de 48% do capital da empresa.

O Ineep foi criado pela Federação Única dos Petroleiros (FUP).

Em seu balanço, Mahatma destacou que, no primeiro semestre deste ano, a Petrobras mudou sua política de preços, pagou menos dividendos relativamente ao governo anterior e aumentou a utilização do parque de refino.

Abaixo, a íntegra da fala:

Para pensar a Petrobras do futuro, é incontornável a gente conhecer o papel histórico da empresa. Não é só a maior empresa brasileira, mas é uma empresa estatal chave para a soberania e o desenvolvimento nacionais.

Hoje, nós estamos imersos em um cenário global marcado por mudanças climáticas e a crise energética, que foram agravadas pela pandemia, um choque externo de caráter biológico e de saúde pública, mas também por conflitos bélicos expressos na guerra da Ucrânia e nas tensões entre países e blocos de países.

Por fim, um choque de caráter econômico, porque o mundo vive uma fase de baixo crescimento, ao menos desde a grande crise econômica de 2018. Esse é um cenário global que evidenciou as contradições crescentes entre o processo de acumulação capitalista, de ganho do capital e da democracia.

Essa tensão fomentou, nos últimos anos, por exemplo, a emergência de novos movimentos de extrema ou dessa nova direita, não só no Brasil, mas no mundo, que tem um programa de governo e tem objetivos estratégicos claros para o setor energético, o setor de petróleo e para a Petrobras, no caso do Brasil.

É um cenário global marcado por fortes tensões, que revelou uma fragilidade do sistema de coordenação e governança do sistema global e que acirrou disputas políticas, disputas comerciais e econômicas no mundo inteiro, e que aqui na América Latina deu razão a uma série de golpes, inclusive o golpe de 2016.

É nesse contexto que a gente tem que pensar o presente e o futuro da Petrobras. E o lugar do Brasil nesse cenário global. Então, é bom pensar que, pelo menos na rede global, na cadeia global de óleo e gás, o Brasil é um ator altamente relevante.

O Brasil é o nono maior produtor de petróleo, é o oitavo mercado consumidor de petróleo, o nono maior país em capacidade de refino no mundo, e é o décimo sexto maior país em volume de reservas provadas. Além disso, ele exporta cerca de 1,3 milhão de barris de petróleo por dia.

A Petrobras, por ser historicamente a empresa que estruturou, que concentrou os grandes investimentos, que estruturou do ponto de vista tecnológico, de formação de força de trabalho e formação industrial, o setor de óleo e gás no Brasil, ela é central para pensar o futuro energético brasileiro e do setor de óleo e gás.

Se a gente olha para as estimativas, até 2025 é esperado que o Brasil alcance uma produção média de 4 milhões de barris de petróleo por dia, e até 2030 esse número deve chegar a 5 milhões de barris de petróleo por dia.

O Brasil é um país cada vez mais significativo no mercado de óleo e gás, e cada vez mais autossuficiente na produção de petróleo, mas ainda há uma dependência no Brasil na importação, sobretudo de derivados, que tem um impacto gigante nos preços, na capacidade de poder de compra das pessoas e na vida cotidiana de todo mundo que consome combustíveis de maneira direta ou indireta.

Esse cenário global coloca essa necessidade de pensar esse processo de ataque, desmonte, de desnacionalização que ocorreu com a Petrobras, ao menos desde a Operação Lava Jato, desde 2014, que se aprofundou nos últimos governos do ex-presidente Temer e do ex-presidente Jair Bolsonaro.

A gente vem de um processo de expansão da Petrobras no começo dos anos 2000, nos governos do PT, um amplo crescimento da Petrobras, da participação da Petrobras no PIB, um grande desenvolvimento tecnológico da Petrobras que permitiu e viabilizou a exploração e produção no pré-sal brasileiro e resultou no maior plano de investimento da história do Brasil, com média de investimentos anuais de cerca de R$ 173 bilhões ao ano.

Se a gente comparar com os governos Bolsonaro e Temer, [o investimento] caiu cerca de três vezes esse volume médio, caiu de cerca de R$ 170 bilhões para de R$ 49 a 50 bilhões ao ano. Então, esse é o tamanho do desmonte do setor de óleo e gás no Brasil.

Essa virada corporativa na Petrobras, desde o golpe, ela se apoiou num processo de redução sistemática dos investimentos, numa política agressiva de privatização, de venda de ativos da Petrobras e numa política de preços que foi lesiva aos consumidores brasileiros e à própria Petrobras.

Desde 2016, quando entrou em vigor a política de paridade de importação praticada pela Petrobras, a gasolina registrou um crescimento de cerca de 112%. No caso do diesel, a gente viu um crescimento de 99% no preço do diesel, desde que a Petrobras, na gestão Temer e Bolsonaro, vinha praticando a política de PPI. Além disso, a Petrobras acabou perdendo parte do mercado consumidor brasileiro.

Então, isso foi prejudicial tanto para quem consome combustíveis quanto para a própria empresa. E, como resultado geral dessa estratégia de desmonte da Petrobras nos governos golpistas, a gente viu um processo de desnacionalização operacional da Petrobras, de fragilização financeira e operacional, que coloca em risco o futuro da empresa.

Um processo de redução do efetivo de trabalhadores, uma redução do quadro de funcionários da Petrobras, mudanças e instabilidades no sistema de governança interna da Petrobras. Durante o governo Bolsonaro, nós vimos três mudanças de presidente na Petrobras.

Essa estratégia que vigeu na Petrobras, ao menos até o ano passado, resultou na venda de 264 ativos da Petrobras, nas áreas do refino, distribuição, infraestrutura e logística, e também no core business, no coração da empresa, que é a área de exploração e produção de petróleo, abrindo espaço para empresas privadas, nacionais e transnacionais no Brasil.

Segundo o levantamento feito por nós, a Petrobras vendeu, entre 2015 e 2022, cerca de 264 ativos e arrecadou cerca de R$ 202 bilhões. É bom lembrar que isso equivale a mais ou menos metade do valor de mercado da Petrobras, mas grande parte desses ativos foram vendidos pela metade do valor de mercado.

Como a gente costuma dizer no popular, a preço de banana. Então, esse dinheiro arrecadado, essa riqueza gerada durante os últimos anos, teve como destino principal o pagamento de dividendos.

Não foi revertido em investimentos para crescimento, inovação, transição energética. Quase a totalidade da riqueza gerada entre 2019 e 2022 foi distribuída na forma de dividendos.

Não à toa, a Petrobras se transformou na empresa que mais pagava dividendos nos últimos anos.

O que a gente observa é que a atual gestão da Petrobras tem um grande desafio: primeiro, rever essas estratégias e diretrizes de planejamento, ou seja, tomar uma decisão sobre investimentos em novas áreas exploratórias para reforçar o futuro da empresa, fazer novos investimentos na área do refino e ampliar a capacidade de produção de derivados no Brasil e reduzir a nossa dependência de importação de derivados.

Se vai investir ou não e qual a magnitude desses investimentos em novas rotas tecnológicas, em novos fundos renováveis de energia, ou seja, entrar de vez na transição energética.

É bom a gente lembrar que nos últimos governos eles, inclusive, negavam as mudanças climáticas e a emergência climática. Investimentos na transição energética e em processos de descarbonização da produção da Petrobras foram quase zero, muito pequenos.

É muito importante que a atual gestão da Petrobras revise sua estratégia de negócios, que esteja alinhada ao caráter estatal e constitucional da empresa, ou seja, tenha como horizonte o desenvolvimento nacional e a redução das desigualdades no Brasil, a garantia da soberania econômica e energética e a busca por autonomia tecnológica da Petrobras e do país.

Esses são valores-chave que estão na Constituição e são atributos de empresas estatais. É importante que a gente cobre isso da atual gestão. Além disso, acho que é imprescindível que a Petrobras busque cada vez mais instrumentos de valorização do trabalho e dos seus trabalhadores, do seu quadro técnico.

A Petrobras está em meio ao processo de negociação coletiva. Então, acho que é um momento importante discutir esse processo de valorização dos trabalhadores da Petrobras, dado essa redução observada, gigantesca, no quadro da Petrobras nos últimos anos.

Se a gente olhar para o primeiro semestre da Petrobras [em 2023], houve mudança na sua política de preços, mudança na política de remuneração dos acionistas, que resultou em um pagamento de dividendos muito inferior ao patamar observado nos últimos dois anos, sobretudo.

Houve uma melhora nos indicadores de investimento da Petrobras, que ainda estão aquém daquilo que a gente espera e foi observado nas últimas décadas, mas que dão um bom indicativo para o futuro da empresa.

Houve também uma revisão, mesmo que parcial, do plano estratégico herdado da gestão bolsonarista da Petrobras, que tem indicativo de avanço na modernização e investimento do parque de refino da empresa, uma incursão maior em estudos e investimentos em novas rotas tecnológicas para desenvolvimento de novas fontes renováveis de energia e mitigação de emissões da empresa.

Se a gente pensar no resultado econômico da atual gestão da Petrobras no primeiro semestre, mas sobretudo no segundo trimestre, foi excepcionalmente marcado por uma queda nos indicadores econômicos, refletindo sobretudo a redução na cotação internacional do petróleo, na cotação dos derivados de petróleo.

No âmbito internacional, a gente observou uma queda de 31% no preço do petróleo no mercado internacional durante o segundo trimestre de 2023, uma redução de 31% no preço do diesel no mercado internacional, uma redução de 24% no preço da gasolina no mercado internacional.

Isso se refletiu em lucratividade da Petrobras, mas menor quando comparada aos anos de 2021 e 2022, quando os preços dos derivados e do petróleo bateram recordes.

Então, a Petrobras registrou um lucro líquido de R$ 28,7 bilhões no segundo trimestre, realizou pagamento de dividendos significativos -- na casa de R$ 15 bilhões -- mas o que a gente espera, olhando para o segundo semestre, com essa tendência de crescimento do preço dos derivados e do barril de petróleo, é que a Petrobras registre resultados econômicos e financeiros mais robustos.

Outro fator importante da gente chamar a atenção é que, ao longo desse primeiro semestre, depois de uma parada para a manutenção de boa parte do parque de refino, a Petrobras vem retomando e otimizando o fator de utilização ou uso do parque de refino, que vem batendo recordes. Mas isso tem um limite.

Depois da venda de parte do parque de refino da Petrobras, sobretudo da RLAM, que era a segunda maior refinaria da Petrobras, e também da REAM, no Amazonas, a Petrobras perdeu muito da sua capacidade produtiva de derivados. Então, agora a gente vai ter que olhar com mais atenção para o futuro deste parque de refino e do mercado de refino brasileiros.