Ele não tem o hábito de fumar em casa. Mas dessa vez aconteceu. Veio uma súbita vontade de fumar um cigarro e ele se dirigiu à janela do quarto, que dá de frente para a rua. Era em torno das 19h, quando ele acendeu o cigarro e começou a fumar expelindo a fumaça para fora. Foi quando a viu e seu coração acelerou.
No prédio em frente, uns andares abaixo, a luz do quarto se acendeu e uma mulher entrou despreocupadamente. Jogou a bolsa em cima da cama e começou a tirar a roupa, peça por peça.
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De seu ponto de vista, o coração dele batucava com força, acelerado, liberando adrenalina e espalhando energia sexual por todo o corpo. Energia que aumentou à medida em que ela retirou o blazer, depois os sapatos, a blusa e finalmente a calça, ficando apenas de calcinha e sutiã. Tinha um corpo escultural, visto à distância.
Quando ele imaginou que ela seguiria tirando as últimas peças, ela se encaminhou para um espaço que ele supôs ser o banheiro e apagou a luz do quarto. Frustração. Foi tomar banho, pensou. E, com o coração saltando pela boca, resolveu esperar. Só aí percebeu que o cigarro que havia acendido estava quase no fim e ele não havia dado mais do que duas e três tragadas nele. Acendeu outro. Afinal, não foi por isso que havia se dirigido à janela? E esperou.
Passado um tempo, a luz se acendeu e ela ressurgiu, enrolada numa toalha branca, com outra enrolada também nos cabelos e se dirigiu à janela. O movimento foi tão surpreendente e rápido que ele nem teve tempo de se esgueirar e os olhares dos dois se cruzaram, mesmo à distância. Ele gelou.
Ela começou a puxar a cortina para fechar a vista, como se protestasse, mas, de repente, fez um movimento com a cabeça em direção a ele e resolveu deixar a cortina aberta como estava, com a visão escancarada do quarto. Logo, ela virou de costas para a janela, caminhou um pouco para o centro do quarto, de modo a deixar seu corpo inteiramente à vista, deixou cair a toalha e, nua, abaixou-se para pegá-la, disparando o coração do homem que a observava.
Ele passou a imaginar que ela se exibia pra ele, quando começou a passar creme pelo corpo, subindo desde a perna, que apoiou na cama. Embora tivesse recolhido a toalha do chão, não voltou a se cobrir com ela, e passeava sua nudez com a leveza e a naturalidade de uma patinadora experiente.
Só depois de espalhar creme e massagear todo o corpo, ela se voltou em direção à janela e fechou vagarosamente a cortina, dando um pequeno e atrevido olhar final para ele antes de cerrá-la por completo.
A partir desse dia ele aumentou o consumo de cigarros na janela, sempre à espera de que ela aparecesse. E isso se repetiu algumas vezes. Ele fumando e observando e ela se exibindo.
Ele perguntou ao porteiro do prédio em frente por ela. Já a observava há algumas semanas, queria vê-la mais de perto. Descobriu que era solteira. Comprou então um buquê com as mais lindas rosas que encontrou e, sem saber o que escrever, não colocou nem bilhete nem remetente nelas. Disse apenas ao porteiro que, caso ela perguntasse quem entregou, dissesse apenas "um morador do prédio em frente".
Comprou uma maço de cigarros novo e às 18h30 já estava na janela à espera dela. Mas o tempo passou e ela não apareceu. Ele imaginava como ela reagiria com as rosas. E fumava.
O apartamento dela continuava às escuras, quando ele resolveu sair da janela no horário em que os apartamentos vizinhos tocavam a vinheta do Jornal Nacional.
Foi frustrado para a sala e resolveu descarregar sua frustração assistindo ao telejornal e reclamando com Bonner e Renata a cada matéria tendenciosa ou cobertura enviesada que assistia, como se o ouvissem.
A campainha do apartamento tocou no exato instante em que ele esbravejava "canalhas!". Assustou-se. Quem seria? Não estava esperando ninguém. Foi até a porta e olhou pelo olho mágico. Era ela, a exibicionista do prédio em frente, com as flores na mão. Será que veio devolver? Ou o quê?
Abriu a porta. Nunca estiveram tão perto.
O amor tem dessas coisas.
(continua domingo que vem)