Desde a última segunda-feira, o mundo tem comentado incessantemente o desaparecimento do submarino Titan, que carregava quatro passageiros e um piloto em uma viagem em direção ao fundo do mar para observar os escombros do Titanic.
A história é inusitada, claro: o submarino tinha condições péssimas, a viagem custa uma fortuna (US$ 250 mil ou R$ 1,2 mi) e seus passageiros eram bilionários. Todos essas fatores colocaram a pulga atrás da orelha do público, que tem clicado com voracidade nas matérias sobre o submersível.
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Nas redes, as opiniões se dividem entre aqueles que não se comovem com o caso, mas debocham do erro fatal dos muito ricos. Do outro lado, existem muitos que se solidarizaram com as vítimas da tragédia.
(Para falar a verdade, até a solidariedade é estranha nessa história: o enteado de uma das vítimas do acidente não se poupou e foi a um show do Blink-182 nesta sexta-feira, afirmando que seu padrasto gostaria que ele fosse para o concerto ao invés de acompanhar as buscas).
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A silenciosa crise dos refugiados
Há exatamente uma semana atrás, 78 imigrantes oriundos de Afeganistão e Paquistão morreram em um acidente com um pesqueiro no Mediterrâneo. Eles tentavam fugir do Talibã e do Daesh em busca de uma nova vida na Europa. Segundo investigações recentes, foram vítimas de negligência do estado grego, que demorou para agir no resgate.
Em março, 32 outros imigrantes morreram em um naufrágio na costa da Tunísia. Na embarcação, estavam imigrantes oriundos de Congo, Camarões, Nigéria, Costa do Marfim e Guiné, Serra Leoa, Síria, Marrocos e Burkina Faso. Uma semana antes, um barco com 67 imigrantes desapareceu na costa da Tunísia.
Em fevereiro, 43 imigrantes, incluindo crianças, morreram na costa da Itália em outro naufrágio nas proximidades da Calábria. Eram oriundos de Irã, Paquistão e Afeganistão. Foram pelo menos 220 refugiados mortos no mar apenas em 2023.
Desde 2016, o ápice da crise de refugiados, essas cenas se tornaram cada vez mais comuns na costa do Mediterrâneo. Contudo, isso não ganha tanta atenção na imprensa dos EUA e na imprensa brasileira.
Nestas navegações, condições subhumanas são forçadas e não escolhas de luxo.
Não é doce morrer no mar
Mortes são mortes, tragédias são tragédias. Números de mortos não devem ser comparados em relação causal e direta. Mas a disparidade de atenção representa algo sobre nossa imprensa e nosso público.
Mas duas centenas de imigrantes morrendo no fundo de um barco naufragado no Mediterrâneo em um intervalo de meses já se tornou corriqueiro? É pouco importante? Merece pouca atenção? Ou a vida desses refugiados miseráveis do terceiro mundo valem menos do que a dos bilionários que estavam na expedição?
Existem diversos fatores que influenciam nessa dinâmica: o racismo, o orientalismo e o próprio discurso anti-imigração que se tornou padrão na Europa e nos EUA. A imprensa brasileira, que subsiste parcialmente da imprensa europeia e estadunidense, se espelha em ambas para fazer sua cobertura.
E é claro que o caso do submarino chamou mais a atenção do público. A história, de fato inusitada, rende mais cliques, gera mais interações, opiniões controversas e memes.
Este texto também não é um pedido para que a imprensa e o público parem de dar atenção ao submarino dos bilionários Titanic. A Fórum vai continuar acompanhando o caso porque ele se tornou de interesse público. O caso é revelador sobre os privilégios de bilionários no mundo em que vivemos.
Mas que é estranho, é. E ao contrário do que dizia Dorival Caymmi, não é nada doce morrer no mar. Será sempre salgado, frio e aterrorizante, seja por luxo ou por miséria.