No rastro da tragédia do litoral norte de São Paulo (enquanto escrevo já são 65 mortos – muitas crianças! – e 1.815 desabrigados) os jornais e as redes sociais noticiaram cenas comoventes de moradores em trabalho voluntário incansável, e em condições precárias, escavando na lama na busca por vizinhos soterrados nos escombros.
Lemos também sobre o dono de uma pousada que, após o temporal, acolheu pessoas e não cobrou nada por refeições e abrigo.
Mas não apenas situações de solidariedade e amor ao próximo foram registradas pela imprensa. Houve também episódios vergonhosos que, nessas horas, expõem o que há de pior na natureza humana, como o relatado pelos repórteres do jornal O Estado de São Paulo, que cobriam os estragos causados pela chuva.
"Fora daqui, comunistas!" – foi essa a recepção dada aos jornalistas por cinco moradores de um condomínio de luxo em S. Sebastião. Obrigaram, sob ameaças, o fotógrafo a apagar as fotos, e empurraram a repórter, que caiu em uma área alagada. Somam ignorância com insensibilidade social.
A situação urbana em São Sebastião expressa lamentavelmente uma realidade que é nacional, fruto de anos da abissal desigualdade social que caracteriza o Brasil. De um lado, os pobres, que, por falta de oportunidades e políticas sociais adequadas, são empurrados para (sobre) viver nas encostas e áreas de risco. Do outro lado, os abastados das classes altas, que ocupam os melhores terrenos, situados nas áreas planas e costeiras. No meio, dividindo a sociedade em duas, passa a rodovia Rio-Santos, que bem poderia simbolicamente representar o Estado brasileiro, inócuo em seu papel de promover a integração e reduzir distâncias sociais.
No Brasil atual, 4,5 milhões de pessoas vivem em cerca de 14 mil áreas de risco mapeadas. Praticamente todas pobres, "lavando roupa, amassando o pão, arrancando a vida com a mão", como bem retrata a canção de Caetano Veloso.
Os extremos climáticos crescem e novas chuvas torrenciais – ou secas desertificantes – vão se suceder. O Estado (Executivos, Legislativos, Judiciários, MPs e órgãos de controle) precisa agir, preventivamente.
Leis, decretos, portarias e normas para mitigar os efeitos das mudanças climáticas não faltam: são 234, nos âmbitos federal, estadual e municipal. Só que não saem do papel. É letra morta que mata!
Duas grandes prioridades do novo governo federal estão entrelaçadas, como desafios na agenda política imediata: o combate à desigualdade e a prevenção, diante da ameaça crescente do desequilíbrio climático.
Colocar os pobres no orçamento não se realiza sem o protagonismo das periferias: operários, camponeses, quilombolas, caiçaras, povos originários. Bases sociais visceralmente interessadas na busca de uma vida menos desigual e em harmonia com o meio ambiente.
O caminho é longo, mas é preciso começar a trilhá-lo imediatamente.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.