MODA E POLÍTICA

Cor do ano: não faz sentido, mas faz dinheiro

Há 25 anos a gigante Pantone determina qual o tom que vai dominar a moda, a decoração, as embalagens, os cosméticos e por aí vai; qual a lógica disso?

Créditos: Divulgação Pantone
Escrito en OPINIÃO el

Desde 1999 a Pantone lança todos os anos a Cor do Ano. De lá para cá, ao longo de 25 anos, esse programa determina a paleta de tons usada por segmentos como design de interiores e decoração de casa; maquiagens, tintas de cabelo e esmaltes para unhas; eletroeletrônicos; embalagens e, claro, vestuário e acessórios.

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Para 2024 a cor escolhida foi a PANTONE 13-1023 Peach Fuzz, um tom de pêssego. Mas que também está liberado chamar de "frango cru", como ironizou um internauta.

Neste ano de 2023, a cor do ano foi a Viva Magenta. Eu curti muito, afinal, vermelho é a minha cor preferida. Ainda mais com a volta de Lula para a presidência depois de quatro anos que variaram entre o cinza-tristeza e o marrom-escatologia-de-quinta-série com o bolsonarismo.

Como você pode constatar nesse post abaixo, minha crítica a esse sistema não é novidade.

Explico minha implicância com essa Cor do Ano. Essa prática influencia a obsolescência imaginada na moda de várias maneiras, principalmente ao incentivar um ciclo contínuo de tendências que podem levar os consumidores a perceber que suas roupas atuais estão desatualizadas. 

Aqui estão algumas das formas como isso acontece:

  • Criação de Novas Tendências: A Cor do Ano estabelece uma nova tendência a cada ciclo. Isso pode fazer com que as coleções anteriores, que não incluem a nova cor, pareçam menos desejáveis ou "fora de moda", incentivando os consumidores a comprar novos produtos.
     
  • Promoção de Consumo Constante: Ao destacar uma nova cor todos os anos, a Pantone indiretamente promove a ideia de que os consumidores precisam atualizar regularmente seu guarda-roupa para se manterem na moda. Isso contribui para a obsolescência imaginada, onde itens que ainda são funcionais são vistos como ultrapassados.
     
  • Marketing e Publicidade: Marcas e varejistas de moda usam a Cor do Ano em suas campanhas de marketing para destacar novos produtos. Isso pode fazer com que os consumidores sintam que precisam desses novos itens para estarem alinhados com as tendências atuais.
     
  • Mudanças Rápidas nas Tendências: A Cor do Ano pode acelerar o ciclo de tendências na moda, levando a mudanças mais rápidas no que é considerado estilisticamente relevante. Isso pode encurtar o ciclo de vida percebido de peças de moda.
     
  • Influência na Percepção do Consumidor: A escolha da Cor do Ano e a atenção que recebe podem influenciar a percepção dos consumidores sobre o que é moderno e atual, levando-os a acreditar que itens que não seguem a tendência são menos valiosos ou atraentes.
     
  • Padrões de Compra Sazonais: A Cor do Ano também pode promover padrões de compra sazonais, onde os consumidores são incentivados a comprar novos itens a cada estação para acompanhar as tendências, contribuindo para a mentalidade de descarte na moda.

Resumo da ópera

Se por um lado a Cor do Ano da Pantone pode ser um motor de inovação e renovação na indústria da moda, ela também pode reforçar a ideia de obsolescência imaginada e incentivar os consumidores a verem a moda como algo que precisa ser constantemente atualizado para se manter relevante.

Convenhamos, no ápice da emergência climática que a humanidade vivencia, qualquer motivação para acelerar o consumo de uma indústria gigantesca como a da moda, que neste ano, mais especificamente no segmento de vestuário, tem um tamanho de mercado previsto de US$ 1,33 trilhão, é para acender o sinal de alerta.

Para se ter uma ideia do rastro da moda no aquecimento climático, esse setor contribui com aproximadamente 2,1 bilhões de toneladas de emissões de gases de efeito estufa (GEE) em um único ano, o equivalente a 4% de todas as emissões globais. Esse número impressionante é comparável às emissões anuais de GEE da França, Alemanha e Reino Unido combinados.

Por mais poético que seja a explicação da Pantone para a Cor do Ano de 2024, traduzida como um "abraço envolvente", a realidade é que com nossas temperaturas extremas, a piada que remete o tom a frango cru tem tudo para virar galeto tostado. 

Não existe planeta B. Não dá para ter Cor do Ano mais. Não faz sentido, mas faz dinheiro. Já deu, né? O futuro agradece.