MODA E POLÍTICA

'Crente não usa cropped':a teoria bizarra e antifeminista de uma pastora fundamentalista

Deputada Carol Dartora rebate justificativa sem pé nem cabeça para vetar o uso da peça curta por evangélicas apresentada por Lu Alone, da Igreja Batista da Lagoinha

Créditos: Divulgação - Loja Closef (branco) e Shein (preto).
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A pastora Lu Alone, da Igreja Batista da Lagoinha, de Belo Horizonte (MG), atesta que "crente não pode usar cropped". Essa teoria estapafúrdia foi rebatida pela deputada federal Carol Dartora (PT-PR).

Carol, durante participação no Fórum Café desta terça-feira (19), reagiu à fala da fundamentalista. Ela avalia que a declaração machista de Lu faz parte de uma disputa cultural travada pelo fundamentalismo religioso de extrema direita, fruto da polarização política na qual vive o país. 

"Não importa que o bolso do brasileiro já esteja melhor, mas aí a gente vê nas redes sociais uma pastora dizendo que a gente não pode admitir as propostas sociais do feminismo porque crente não usa cropped", rebateu a parlamentar.

A deputada destaca ainda a tática dos extremistas de direita de usar a pauta moral, como o uso de um modelo de peça de roupa, a partir de uma invenção religiosa para atacar a luta feminista.

Ao mirar no armário das seguidoras, a pastora tira o foco do que, de fato, é importante para promover a equidade de gênero.

"A misoginia nas redes, a cultura do estupro, por exemplo, que a gente vive, a violência contra as mulheres, que se demonstra em dados econômicos, inclusive, as mulheres são as mais prejudicadas economicamente, são as mais sobrecarregadas, as que mais estão na informalidade e as propostas do feminismo são para que a gente supere tudo isso, mas o problema é usar cropped", esclarece Carol.

Assista

Moças e mulheres "posicionadas"

A afirmação sem pé nem cabeça de Lu foi feita em uma de suas pregações durante a Conferência Posicionadas 2023 realizada na sede da igreja, na capital mineira, entre os dias 15 e 17 de novembro passado.

O vídeo com a declaração da ex-cantora gospel do grupo Crianças Diante do Trono viralizou nas redes sociais. O perfil da pastora no Instagram tem 716 mil seguidores.

Para explicar a teoria bizarra, a pastora, que é graduada em moda e se autodefine como "especialista em história da moda", afirma que o veto ao uso dessa peça por mulheres e moças "posicionadas" é baseada na sua formação acadêmica e visão religiosa.

Terraplanismo fashion

Lu argumenta que por trás da popularização do "cropped demoníaco" existe uma "agenda feminista e progressista" que busca influenciar a cultura por meio de vários canais, incluindo a moda.

Para a pastora, a "agenda feminista" tem o objetivo perigoso de "moldar o pensamento e o comportamento da sociedade em um período de dez anos" com uso de estratégias que incluem desde a educação até o entretenimento. 

Ela alega que a introdução de roupas como o cropped foi cuidadosamente planejada pelas feministas. Descreve que tudo começou de forma sutil, como a moda mãe e filha, evoluindo para coleções beachwear e, eventualmente, para o uso de peças unissex e transgênero.

Na cabeça dela, essas mudanças têm como objetivo desestruturar as noções tradicionais de gênero e fortalecer o delírio recorrente dos fundamentalistas: "a ideologia de gênero".

Mas o auge da fala estrambótica da pastora é quando ela afirma que Deus criou a primeira peça de roupas.

"Deus fez roupas de couro para cobrir a sua nudez e a sua vergonha. Quem fez a primeira roupa pra te cobrir foi Deus. E aí, eles falaram, se Deus cobre, a gente diz, cobre."

Ela não cita os trechos da Bíblia onde há essa informação e nem a mais remota conexão com a realidade histórica. Couro é uma matéria-prima que se decompõe e não sobrou nem vestígio dessa coleção divina. 

Igreja que propaga ódio

A pastora bolsonarista é da mesma igreja presidida pelo pastor Márcio Valadão, que ficou nacionalmente conhecido ao anunciar, sorrindo, a morte de Guilherme de Pádua, que também se tornou pastor da mesma agremiação após cumprir pena pela morte da atriz Daniella Perez. O ex-ator foi vítima de um infarto fulminante no dia 6 de novembro de 2022.

Também é da igreja de Lu o pastor André Valadão, famoso convocar as pessoas a matar indivíduos da comunidade LGBT.

Evolução do cropped: de peça ousada a ícone de estilo

Wikimedia Commons - 
Lana Turner no filme "The Postman Always Rings Twice" (1946)

O cropped, uma peça de vestuário que cobre a parte superior do tronco, sem mangas e sem gola, tem uma história rica e diversificada na moda. Originária da língua inglesa, a palavra "cropped" significa "cortada", uma referência ao seu design característico, que varia de um comprimento que vai desde dois dedos abaixo do busto até a altura da cintura.

Esta peça começou a ganhar destaque no início do século XX, usada por homens e mulheres mais ousados da época. Nas décadas de 1930 e 1940, os croppeds eram frequentemente vistos em figurinos de dançarinos e em trajes de banho praieiros.

Entretanto, foi na década de 1980 que os croppeds realmente ganharam visibilidade e popularidade no mundo da moda. Com o crescente interesse por um estilo de vida mais saudável, tornou-se comum ver homens e mulheres usando essas peças cortadas para se exercitarem.

Wikimedia Commons - Britney Spears é considerada a rainha do cropped

Na década de 1990, o cropped foi amplamente adotado pelas mulheres em seus guarda-roupas, combinando-o principalmente com estilos mais hippies e descolados. A peça se tornou particularmente popular na cultura pop, usada por celebridades como Britney Spears, Spice Girls e Destiny's Child, solidificando sua posição como um ícone de estilo.