Em seu livro Diálogos, Platão apresenta o chamado “mito da caverna” como uma maneira de ilustrar a ignorância humana frente à existência. Nessa narrativa, um grupo de seres humanos vivia acorrentado em uma caverna, sendo as sombras das pessoas que transitavam pelo entorno as únicas impressões que obtinham sobre o mundo exterior. Desse modo, acreditavam que as sombras que observavam eram a própria “realidade”.
Certa vez, um desses indivíduos conseguiu sair da caverna. Ao retornar, informou aos demais que a realidade exterior era bastante diferente do que pensavam. No entanto, ele foi desacreditado por seus companheiros, que seguiram ingenuamente apegados às suas verdades sensitivas.
Mais de dois milênios após a alegoria platônica, os grupos de WhatsApp bolsonaristas se tornaram espécies de cavernas de Platão contemporâneas. Lá também seus membros possuem suas próprias verdades convenientes. O apego à ignorância e o receio de rever convicções são os mesmos de outrora. A diferença é que, atualmente, as antigas sombras são conhecidas como fake news.
Lembrando o pensamento de Nietzsche, os membros de grupos de WhatsApp bolsonaristas estão mais preocupados em “crer” na verdade do que propriamente com a “legitimidade” da verdade. Desde que uma determinada informação seja condizente às suas ideias, automaticamente será compartilhada nas redes sociais, independentemente de sua veracidade (isso é o que menos importa!). As correntes que prendiam os membros da caverna na alegoria platônica foram substituídas pelos smartphones.
Portanto, a Terra é plana. Nazismo é de esquerda. Não houve ditadura militar no Brasil. A Teoria da Evolução é “cientificismo”. “Ideologia de gênero” é ensinada em sala de aula por professores adeptos do “marxismo cultural”. A Rede Globo é “comunista”, pois faz críticas ao comportamento do “mito”. Há plantações extensivas de maconha em universidades públicas. Vacinas são ineficazes. Ciência já não é mais questão de “evidência”, mas “opinião”. O novo coronavírus foi criado pelos chineses para dominar o mundo (se é que a pandemia da Covid-19 realmente existiu).
Mas o principal alvo da alteridade negativa da “caverna bolsonarista” é o Partido dos Trabalhadores (PT), em especial Lula. Aliás, nesse universo paralelo, o presidente morreu e foi trocado por um sósia. Seu filho é dono da Friboi e anda em uma Ferrari dourada. Nas escolas, os governos petistas distribuíram kit gays e obrigaram a adoção de banheiros unissex. Também vão fechar igrejas. Evidentemente, como em todo governo “comunista”, o PT vai confiscar as posses das pessoas.
Bolsonaro, em contrapartida, é perseguido pelo sistema globalista, criou o Pix, é responsável pela tecnologia 5G brasileira, fez a transposição do Rio São Francisco, foi impedido de governar pelo Supremo Tribunal Federal e já saiu na capa da Revista Time, como personalidade do ano. Além disso, se aguardarmos setenta e duas horas, a “verdade” virá à tona e o “mito” retornará para a presidência. Basta acreditar!
Por outro lado, o indivíduo que questionar as postagens publicadas no WhatsApp, ou propor uma análise minimamente crítica e reflexiva sobre os fatos, não é apenas desacreditado (como foi o exemplo da caverna platônica). Ele é excluído do grupo, achincalhado nas redes sociais, caluniado, e, não raro, poderá ser alvo de violência física. Logo, será “rotulado” como “comunista” e “esquerdopata”.
Infelizmente, a evolução dos meios de comunicação, responsável pela difusão de conhecimentos em larga escala, também trouxe, como efeito colateral, a possibilidade de formação de novas bolhas ideológicas de extrema direita que permanecem presas a preconceitos e falsificações históricas e científicas. Os grilhões da ignorância insistem em nos rodear: seja na Grécia Antiga, seja no Brasil deste início de século XXI, em que indivíduos cantam o hino nacional e rezam para um pneu.
Platão ficaria surpreso com tamanho culto à estupidez.