A polêmica envolvendo o Estadão, diário conservador paulistano que usou uma denúncia contra o ministro da Justiça Flávio Dino supostamente para enfraquecer sua candidatura ao STF, faz parte da longa História do uso do "jornalismo" -- em tese, um serviço público -- para atingir objetivos particulares.
Ao longo de minha vivência em redações, desde 1972, vi isso acontecer algumas vezes, muito embora em algumas delas só tenha me dado conta em retrospectiva, por ingenuidade ou falta de informações.
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No final dos anos 1990 eu me transferi do posto de correspondente do SBT em Nova York para a TV Globo do Rio de Janeiro, na condição de repórter.
Trabalhei com colegas da mais alta qualidade, tanto na redação do Jornal Nacional quanto no Globo Repórter e no Fantástico.
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O repórter investigativo Tim Lopes foi um deles.
Certa vez, eu e Tim fomos escalados para investigar crimes atribuídos ao então prefeito de Nova Iguaçu, José Camilo Zito dos Santos Filho, o Zito.
Tim fez a marcação das entrevistas com pessoas que diziam ter sido ameaçadas por Zito, inclusive um casal de professores que foi alvo de um atentado.
As acusações eram múltiplas e nos pareceram consistentes.
OPOSIÇÃO SOB AMEAÇA
A ideia era mostrar que numa importante cidade da Baixada Fluminense a oposição ao prefeito estava com medo de se manifestar.
Para encerrar a reportagem, que se destinava ao Fantástico, procuramos Zito em um evento público em uma praça de Nova Iguaçu.
Ele negou tudo.
Dias depois, chegou em meu nome, na redação da TV Globo da rua Lopes Quintas, um envelope supostamente enviado pela prefeitura de Nova Iguaçu com documentos e recortes de jornal desmentindo os acusadores.
Algo pouco usual, uma vez que em geral autoridades não se dirigem a um mero repórter, mas sim à direção de empresas jornalísticas.
O relatório de Tim, mais as gravações feitas por nós e o envelope que recebi foram encaminhados a superiores hierárquicos.
A redação do Fantástico cuidou de montar a reportagem -- o papel do repórter na TV, embora importante, não é tão determinante quanto os telespectadores imaginam.
Há o envolvimento de editores e tudo posteriormente passa pela aprovação de um ou mais chefes.
Segui tratando de outros assuntos e eventualmente consultava Tim sobre a reportagem.
Ele me contou que estava tudo certo, a edição havia sido aprovada e agora só dependia da direção do Fantástico para entrar no ar.
Dado que naquela época eu era escalado para múltiplas tarefas, praticamente me esqueci do assunto.
Passadas algumas semanas, ao retornar de uma viagem, abri uma edição do jornal O Globo em minha casa e tomei um susto: havia uma foto de Roberto Marinho cumprimentando o prefeito de Nova Iguaçu, ele mesmo, o Zito.
Nova Iguaçu sediava o novo parque gráfico de O Globo, que começou a ser construído pela empresa durante o primeiro mandato de Zito -- ele se elegeu pela primeira vez prefeito em 1996, pelo PSDB -- e foi inaugurado no início de 1999.
Será que alguma negociação entre a Globo e a prefeitura de Nova Iguaçu sobre o parque gráfico havia emperrado? Alguma isenção fiscal pendente? Algum terreno público em jogo? Algum imbróglio político envolvendo tucanos de alta plumagem?
Nunca pudemos apurar o motivo daquela misteriosa pauta. Nunca nos foi dada qualquer satisfação.
Zito se reelegeu prefeito de Nova Iguaçu em 2.000.
Tim, quando o reencontrei na redação e falei da surpreendente foto, concluiu que o destino de nossa reportagem, que tinha quase 10 minutos de duração, seria a famosa "gaveta". De fato, ainda dorme em algum canto da Globo.