WOODSTOCK 99

Desastre do Festival de Woodstock 99 revela embrião da América de Trump

Minissérie recém-lançada na Netflix mostra um evento cheio de violência e transtornos, o oposto do que foi o Woodstock em 1969

Cena de Woodstock 99.Créditos: Divulgação
Escrito en OPINIÃO el

Várias gerações cresceram e se alimentaram das lendas do festival de Woodstock de 1969, que, além, de reunir grandes nomes da música como Jimi Hendrix, Carlos Santana, Joe Cocker, The Who entre muitos outros, foi o grande estandarte de bandeiras como o pacifismo, a revolução sexual etc.

Tudo bem, repetir isso é chover no molhado. Aos mais jovens que quiserem maiores informações, basta procurar pelo excelente documentário “Woodstock - 3 Dias de Paz, Amor e Música”, dirigido por Michael Wadleigh e lançado em março de 1970.

Woodstock virou marca explorada incansavelmente por seu dono, o produtor Michael Lang, morto em janeiro deste ano, aos 77 anos. Apesar do fiasco financeiro do primeiro festival que, conforme se pode ver no filme, teve as suas cercas derrubadas e praticamente ninguém pagou ingressos, todos os seus produtos derivados, entre eles disco e filme, continuam vendendo até hoje.

Por conta dessa força, Lang se reuniu com investidores e resolveu fazer o Woodstock 99, quando o festival original completava 30 anos. Para tal, foi escolhida uma antiga Base Aérea de Griffiss, no estado de Nova York. A programação reuniu artistas como Red Hot Chilli Peppers, Alanis Morissette, Metallica, Creed, Kid Rock entre outros.

Desastre total

As três décadas que separam um evento do outro e as transformações que os EUA sofreram (e vários outros locais do planeta também, incluindo o Brasil) aparecem de maneira contundente na minissérie recém-chegada ao Netflix Brasil, “Desastre Total: Woodstock 99”, dirigida por Tim Wardle.

Como bem diz o título, o festival de 99 não só foi um verdadeiro fracasso, como deixou claro ao mundo, mais uma vez e por infeliz coincidência, no que vinha se transformando parte da juventude que crescia naquele momento. E que, não por acaso, viria a eleger uma década e meia depois, o candidato de extrema-direita Donald Trump.

A esquisitice aparece logo no início da minissérie, quando um sujeito grita para que a cantora e compositora Sheryl Crow mostre seus seios. Ela responde certeira que, para isso, teria que receber um cachê muito maior do que o que pagavam.

Por várias vezes, a minissérie mostra uma plateia chacoalhando em ondas nervosamente, prestes a sair do controle, o que de fato acontece algumas vezes e por razões diferentes. Tudo colaborava para o caos: o calor de 40°, preços altos e dificuldade enorme para se conseguir uma simples garrafa de água – que custava caríssimo – e banheiros imundos se somaram a jovens bombados e bêbados de fraternidades universitárias. Uma série de ingredientes desmedidos desembocaram em uma série de cenas estúpidas, assédios e abusos sexuais entre outros cenas deploráveis.

O caos

No final das contas, o festival explodiu em incêndios, assaltos aos comerciantes que trabalhavam no local, objetos atirados para todos os lados e, para completar, vazamento dos esgotos dos banheiros que se misturou à água consumida nos bebedouros, o que provocou problemas no estômago, úlceras na boca e outras doenças.

Ao final, depois do festival, como se não bastasse todo o ocorrido, uma série de denúncias de estupros foram feitas à direção do festival por pais de meninas que teriam sido abusadas durante o evento.

No final das contas, muito mais do que mostrar um evento fracassado sob todos os aspectos, a minissérie “Desastre Total: Woodstock 99” revela um dos embriões do eleitorado que se arvoraria, pouco tempo depois, à irônica tentativa de fazer a América grande novamente.