ALBERTO FERNÁNDEZ

Um presidente com caráter – Por Emir Sader

O encontro com o presidente da Argentina me fez reconhecer que realmente se trata de um estadista, um dirigente com sensibilidade social e preocupação de combiná-la com o equilíbrio das contas públicas

Lula, Cristina Kirchner e Alberto Fernández: união latino-americana.Créditos: Estaban Collazo/Presidência da Argentina
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Quando cheguei de volta a Buenos Aires, um amigo, sabendo que eu gostaria de me encontrar com o presidente Alberto Fernández, entrou em contato na segunda-feira pela manhã com um ministro bem próximo a Alberto e lhe fez chegar o pedido.

Alberto falava em um ato na própria Casa Rosada, eu pude vê-lo falar pela televisão. Quando estávamos vendo um filme francês em um cinema de Corrientes, ao lado do hotel, chegou a mensagem: haveria que estar às 16 horas na Casa Rosada. Me surpreendeu e me alegrou a rapidez do retorno. Tive que deixar o filme pela metade e partir para a Casa Rosada.

Em frente ao palácio de governo havia alguns brasileiros, que me reconheceram e quiseram tirar fotos. Em seguida, nos apresentamos à portaria da Rua Balcarce e entramos na Casa Rosada. Eu havia estado ali quando Cristina era presidenta da Argentina e eu dirigia Clacso. Com Alberto, foi a primeira vez.

Depois de cruzar vários espaços do imponente palácio, chegamos ao despacho de Alberto, onde está a grande mesa em que se realizam as reuniões do ministério. Ele nos abraçou calorosamente, nos sentamos em um canto da mesa e passamos a conversar pelas duas horas seguintes.

Eu quis recordar a Alberto que naquele espaço se havia dado um abraço que havia mudado a história da América Latina: o abraço entre Lula e Nestor Kirchner, com quem Alberto havia trabalhado. Até ali faziam com que nossos países se sentissem adversários, até mesmo na negociação das dividias externas. Aquele abraço era o reconhecimento histórico de que Brasil e Argentina são irmão e aliados. Ali começou o mais importante período politico de integração regional da nossa história.

Alberto fez uma descrição detalhada de todo o processo que o levou a visitar Lula na prisão de Curitiba. Como lhe haviam solicitado, do Comitê Internacional do Lula Livre, o apoio de alguém da Argentina e ele tratou de contactar-se com o Papa.

Alberto escreveu ao Papa, que respondeu prontamente, revelando sua disposição de manifestar solidariedade ao Lula. Ofereceu que Alberto escolhesse o horário de encontro no Vaticano, encontro que se realizou e onde o Papa liberou a Alberto para revelar publicamente os termos da reunião.

Em plena campanha eleitoral para a presidência da Argentina, Alberto se deslocou para Curitiba para visitar Lula, não lhe importando a exploração que a direita e a mídia argentina poderiam fazer daquela visita.

Como ele manifestou – revelando plenamente seu caráter -, há coisas, como essa visita, assim como acompanhar Evo Morales de volta à Bolívia, para protegê-lo de qualquer situação adversa, bem como a visita que ele fez recentemente a Milagro Sala, líder camponesa, na prisão há anos, sem fundamento jurídico. A visita ao Lula foi outra expressão do caráter forte do presidente argentino. O que estabeleceu, definitivamente, uma relação profunda e estreita entre os dois. A viagem de Lula a Buenos Aires expressou esse agradecimento do líder brasileiro.

Na conversa com Alberto, o tema da integração latino-americana ocupou um bom tempo. Alberto manifestou interesse particular com a proposta de Lula de uma moeda comum, que começaria a plasmar a dimensão econômica da integração.

No caso argentino, além desse aspecto, interessa a possibilidade, veiculada pela proposta original de Lula, de que essa moeda – SUR – pudesse ser adotada em nível nacional, o que, no caso argentino, poderia ser um instrumento decisivo para superar o ciclo infernal da inflação que afeta o pais.

A conversa se concentrou sobre a Argentina e o Brasil. Mesmo com as preocupações em relação à inflação e à dolarização da economia, Alberto se manifestou otimista, dado a retomada do crescimento econômico, o aumento exponencial das exportações, a diminuição do desemprego.

Eu lhe manifestei que, apesar da crise, nas ruas de Buenos Aires se vê bem menos pessoas abandonadas, em comparação com as capitais brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro. Ele recordou que 22 milhões, quase a metade da população argentina, está protegida por algum tipo de apoio de políticas governamentais.

O encontro com o presidente da Argentina me fez reconhecer que realmente se trata de um estadista, um governante com caráter, um dirigente com sensibilidade social e preocupação de combiná-la com o equilíbrio das contas públicas.

Um presidente que tem uma grande admiração pelo Lula, pela sua estatura de dirigente latino-americano e internacional, pela sua trajetória de vida, pelo que ele representa para os brasileiros. Ele também está na contagem regressiva, como nós estamos.

*Esse texto não reflete necessariamente a opinião da Fórum.