Aos que vivem a guerra da Ucrânia da Europa tendem a pensar que se trata de um suicídio da razão. Que o mundo ficou louco, que nenhum comportamento tem racionalidade, que a situação está absolutamente descontrolada.
Independentemente de que algumas dessas afirmações sejam verdadeiras, em geral ou em parte, vale para esta situação a velha e sempre atual afirmação de Shakespeare: Há razão nessa loucura. Há quem ganhe com essa loucura e há quem perca.
Te podría interesar
Quem perde, antes de tudo é a própria Europa que, uma vez mais, vê surgir um conflito bélico no seu território e não consegue resolvê-lo. Pela sua dependência crônica dos Estados Unidos, neste caso expresso no papel da Otan. Que funciona para impor a hegemonia política e militar dos Estados Unidos sobre a Europa.
A Europa sairá mais fraca ainda desse conflito. Mais subordinada aos Estados Unidos e mesmo frente à Rússia. A Alemanha se mostra fraca, sem iniciativa. A Franca, com maior espaço para intermediar o conflito, age de forma solitária. A Inglaterra confirma sua aliança subordinada aos Estados Unidos, o que enfraquece ainda mais a Europa.
Te podría interesar
A Ucrânia será, por muito tempo, uma ferida aberta, especialmente na Europa. Refletirá a impotência e incapacidade de ação autônoma da Europa. Os problemas da relação com a Rússia se perpetuam e empurram a Europa a subordinar-se ainda mais aos Estados Unidos, dependendo cada vez mais da Otan para se proteger da Rússia – erigida como o grande adversário da Europa.
A Rússia sairá do conflito profundamente transformada. Por um lado, passa a ser um grande protagonista dos conflitos mundiais. Por outro, se vê muito afetada pelas sanções impostas, tendo que reciclar sua economia para o mercado interno. Conta, para isso, com a aliança estratégica com a China. Entrará no processo de negociações com o trunfo importante dos territórios ocupados militarmente.
Os Estados Unidos também sairão desgastados. É certo que ganham pela consolidação da subordinação da Europa e pelo fortalecimento da sua indústria bélica, que fornece todo o armamento despejado na Ucrânia.
Se debilita a capacidade de direção do país, desgastando a imagem do Biden, cujo apoio diminui com a guerra, ao mesmo tempo que fortalece a perspectiva de uma derrota nas eleições parlamentares de novembro, tornando-o um “pato manco” por toda a metade do seu primeiro mandato. E, simultaneamente, a perspectiva de uma nova vitória de Donald Trump nas próximas eleições presidenciais.
A China sai fortalecida. Tem uma posição equilibrada em relação à guerra na Ucrânia, mas apoia firmemente a Rússia e trata de fortalecer a aliança estratégica com esse país. Não se desgasta nada com o conflito e recupera sua capacidade de crescimento econômico, diante de um mundo que sofre diretamente com a inflação e com os reflexos recessivos das sanções à Rússia.
A Europa, presa no seu superado eurocentrismo, acredita que se trata de um suicídio da razão universal. É um suicídio da Europa e uma acentuação do declínio da hegemonia norte-americana. Não bastasse esses fatores, está o enfraquecimento do dólar – e também do euro -como moeda de fato universal, até aqui. Vários países tiveram que aceitar os critérios russos de negociar com o rublo, além de não se subordinar ao isolamento econômico e às sanções à Rússia.
A globalização, também afetada, se retrai, sem que o neoliberalismo seja, por isso, superado. Mas os efeitos recessivos da crise de 2008 se renovam com os efeitos da pandemia e da guerra da Ucrânia.
As três primeiras décadas do século XXI confirmam e aceleram as tendências previstas já na virada do século. O confronto central entre a declinante hegemonia norte-americana no mundo, com a aliança entre a China e os Estados Unidos e o fortalecimento do Brics, que expressam a luta por um mundo multipolar.
A recessão econômica internacional se renova e também se acentua. A superação da economia norte-americana pela chinesa se confirma e até se antecipa. A decadência europeia se acelera. O mundo não está dominado pela razão, nem pela loucura, mas por uma lógica belicista e recessiva que não controla.
*Esse texto não reflete necessariamente a opinião da Fórum