Qualquer iniciante em relações internacionais sabe que a guerra não é tolerada pelo direito internacional, exceto nas hipóteses de legítima defesa ou de intervenções excepcionais para a proteção coletiva ou razões humanitárias, se devidamente autorizadas pelo Conselho de Segurança da ONU. Qualquer um também sabe que a máxima não passa de pretensão formal, quando muito, quimera pacifista. Apesar de bárbaro, desde sempre, o uso da guerra tem sido banalizado como manifestação de soberania. Um recurso para alcançar, via força, aquilo que, por meios diplomáticos, não se consegue obter.
Mundo afora, dublês de Sun Tzu e Maquiavel reverberam que táticas de guerra são expedientes necessários à Governança com “G” maiúsculo, devendo ser de domínio dos que almejam a glória. Para os senhores do mercado, a lógica belicista tem sido advogada como se fosse um mantra do conhecimento, uma aptidão própria de quem quer vencer, seja nos negócios, nos esportes, na educação dos filhos e até mesmo no amor.
Te podría interesar
Os filósofos da era da concorrência assimilam o domínio da “arte da guerra” como sinônimo de controle emocional e elevada inteligência, por isso mesmo impressiona que se mostrem chocados quando o presidente Vladimir Putin resolve lançar mão de uma incursão militar para alcançar seus objetivos geopolíticos.
Ninguém pense que Putin tem como principal preocupação os interesses específicos das populações separatistas do Donbass, em especial Donetsk e Luhansk, as quais seguramente têm direito de dizer se moram em terra russa, ucraniana ou terra própria, pois descendem dos mesmos eslavos que povoaram a região bem antes da invasão dos mongóis, muitos séculos antes da existência da Rússia czarista ou do ciclo soviético, quando fronteiras nacionais inexistiam ou se misturavam, sendo compreensível que não se sintam representados pelo centralismo da Ucrânia. Não é este, porém, o fato. Putin está de olho na defesa física e estratégica da Rússia.
Do mesmo modo, ninguém seja ingênuo de pensar que Estados Unidos e Otan estão verdadeiramente preocupados em salvaguardar a soberania e a integridade territorial da Ucrânia. Anseiam colapsar a Rússia, minando seu poder geopolítico e enfraquecendo sua capacidade econômica. Com um pouco de sorte, sugar suas abundantes riquezas e apropriar-se de seus segredos tecnológicos e militares.
Não há amadores no jogo. Há interesses macroeconômicos e geopolíticos envolvidos. É a luta pela hegemonia e a contra-hegemonia do Planeta que está em disputa.
Putin acionou a força, o que é reprovável, mas a guerra em si já vem sendo entabulada desde o fim do século XX, décadas antes da ofensiva russa pela retomada da Crimeia, ou da ardilosa guerra híbrida patrocinada pelo “ocidente” para desestabilizar o governo da Ucrânia e possibilitar a assunção de um fantoche, rodeado de incompetentes e extremistas, inclusive nazistas, para submeter o país ao seu jugo.
A guerra de hoje nada mais é do que uma extensão da Guerra Fria, que deveria ter sido extinta com a dissolução da União Soviética, mas repaginou-se empurrando a Otan sobre todos os continentes, avançando avidamente sobre o leste europeu, procurando manter isolada a Rússia, cujo fígado sonhava comer. É por essa razão que, no conflito atual, a Ucrânia figura como a bola da vez, mas o alvo principal segue sendo o Kremlin.
Com uma Ucrânia armada até os dentes, se possível com armas nucleares, frustrando acordo de desnuclearização anterior, é a rendição dos russos de joelhos perante os Estados Unidos que os donos do atual confronto, PhD em deflagrar guerras por commodities e capital o tempo todo, mas agora travestidos de defensores da paz, querem festejar. A tarefa, porém, não será simples. Antes pelo contrário, tem ares de difícil, já que, neste instante, tropas de Putin cercam os subúrbios de Kiev na iminência de imprensar contra as paredes do palácio presidencial os fascistas e nazistas saídos das sombras no Euromaidan e multiplicados desde então.
Longe dali, de suas poltronas confortáveis em Washington e Bruxelas, os reais protagonistas do caos na Ucrânia não se afligem se o desenlace nas adjacências do Mar Negro será medido em vidas e destruição, mas nas cercanias, nos Balcãs, as populações ainda se recordam do quão dolorosas poderão ser as consequências de tamanha crueza e estupidez. Que vença o bom senso e a paz seja restabelecida.