Opinião

O efeito Bukele no debate político brasileiro – Por Rodrigo Perez

A despeito das críticas, Bukele tem a seu favor a inegável melhora nos índices oficiais de criminalidade. Atores internacionais e ONGs especializadas questionam seus métodos

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Nasceu no Rio de Janeiro em 30/01/1986, é historiador, tendo se formado na educação pública das primeiras letras ao doutorado. Vivendo em Salvador desde 2017, onde atua como professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia, o autor pesquisa a história do pensamento político brasileiro e os usos do passado no texto historiográfico e nas narrativas políticas, temas que foram explorados nos livros “As armas e as letras: a Guerra do Paraguai na memória oficial do Exército brasileiro”, publicado pela editora Multifoco em 2013, e “Conversas sobre o Brasil: ensaios de síntese histórica”, pela editora autografia em 2017.
O efeito Bukele no debate político brasileiro – Por Rodrigo Perez
Presidência de El Salvador

Em abril, Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro, manifestou interesse em visitar El Salvador, país da América Central governado por Nayib Bukele, que vem colocando em prática um controverso programa de combate à criminalidade. Pouco tempo antes, em 2024, Pablo Marçal, então candidato à prefeitura de São Paulo, fez movimento semelhante e visitou o país caribenho, chegando a dizer que havia conversado pessoalmente com Bukele, informação não confirmada pela assessoria do presidente salvadorenho.

De um lado, um político profissional experimentado, que já foi parlamentar, secretário de governo e está no quarto mandato à frente da administração de uma das principais capitais do Brasil. Por outro lado, um influenciador de extrema direita, outsider, disruptivo, especialista na economia digital da atenção que decidiu se aventurar na política institucional. Eduardo Paes e Pablo Marçal são tão diferentes entre si que qualquer comparação entre eles somente poderia ser feita com base no branco dos olhos. Porém, ambos farejaram uma tendência que se afirmará cada vez mais no debate político brasileiro: os resultados aparentemente positivos que Bukele vem conseguindo no combate ao crime organizado em El Salvador, o que explica sua acachapante reeleição em fevereiro de 2024 com 85% dos votos, algo raro diante da polarização calcificada que pode ser observada em diversos países do mundo.

Observadores internacionais e ONGs especializadas questionam os métodos de Bukele, denunciando violação aos direitos humanos e o encarceramento em massa da população pobre, sobretudo de homens jovens. Segundo dados disponibilizados em março de 2025, mais de 80 mil pessoas foram presas durante a gestão Bukele, aproximadamente 1% da população total do país, cifras realmente impressionantes. Bukele justifica sua “linha dura” com o argumento de que o narcotráfico internacional representa uma ameaça à soberania do Estado nacional, o que exigiria medidas excepcionais do “Leviatã”, terminologia hobbesiana utilizada pelo próprio Bukele. A tese verbalizada pelo mandatário salvadorenho afirma a necessidade de um regime jurídico/punitivo especial para criminosos faccionados, ou seja, vinculados às organizações criminosas internacionais.

A despeito das críticas, Bukele tem a seu favor a inegável melhora nos índices oficiais de criminalidade. Se em 2015, El Salvador registrava 107 homicídios a cada 100 mil habitantes, os números contabilizados em 2024 apresentaram apenas 10 homicídios a cada 100 mil habitantes. Esses resultados estão chamando a atenção do mundo todo e é previsível que sejam capazes de seduzir o imaginário político brasileiro, onde o drama da segurança pública escalou tragicamente nos últimos anos. É perfeitamente compreensível, portanto, que o “bukelismo” seja visto como alternativa por parte da população o que, obviamente, exerce atração em lideranças políticas de quase todas as orientações ideológicas.

Digo “quase todas” porque as lideranças de esquerda, obviamente, rejeitam o bukelismo, o que é perfeitamente possível, e talvez seja até mesmo esperado. Porém, a rejeição ao bukelismo faz parte de uma dificuldade crônica das esquerdas brasileiras em enfrentar o tema da segurança pública. Isso explica porque há nesse campo político uma rejeição visceral às forças públicas de repressão, como as Polícias Militares, acusadas de serem ilegalmente violentas com as populações negras e pobres. É inegável que a acusação está amparada em um vasto conjunto de experiências, pois são muitos os Amarildos, Evaldos, Genilvados e Cláudias, mortos por instituições que costumam tratar os pobres como inimigos da sociedade.

No entanto, essa percepção da realidade ganhou a forma de um garantismo ingênuo incapaz de perceber que as novas estruturas do crime organizado demandam uma atuação mais dura contra criminosos faccionados, que pouco lembram os traficantes varejistas pobres, que historicamente as esquerdas trataram como “vítimas da sociedade”.  Aquela imagem de criminosos pobres e dedicados ao tráfico varejista de entorpecentes está ultrapassada. Hoje, esses homens são agentes treinados a serviço de complexas organizações criminosas, sequestram a cidadania de comunidades inteiras, com barricadas, fiscalização de aparelhos celulares e monopolização de serviços.

A sociedade está desesperada, exigindo medidas concretas, o que passa necessariamente pelo endurecimento da repressão legal por parte do Estado nacional. Se esse debate não for enfrentado com maturidade pelas forças políticas progressistas, acabará sendo completamente pautado pelo bukelismo e não faltará quem esteja disposto a reivindicar a implementação desse modelo no Brasil, sob os aplausos da população.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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