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Maconha: decisão do STF é "vitória na luta contra criminalização da juventude negra”, diz ativista

Presidente da OIJ, Daniel Calarco fala à Fórum sobre decisão histórica do STF e projeto social que capacita jovens das comunidades

Ativista fala à Fóurm sobre descriminalização da maconha.Créditos: Karime Xavier/Folhapress
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Em uma decisão histórica no dia 26 de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) descriminalizou o porte de pequenas quantidades de maconha para uso pessoal. A decisão, tomada por 8 votos a 3, encerra um julgamento que se arrastava desde 2015. O caso que deu início ao julgamento envolvia a prisão de um indivíduo por porte de 3 gramas de maconha.

 A Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), em vigor na época, não definia critérios claros para diferenciar usuários de traficantes, o que gerava grande insegurança jurídica e diversas interpretações. Ao longo dos quase 10 anos de julgamento, o STF teve a oportunidade de analisar a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas e, finalmente, estabelecer uma distinção crucial: a partir de agora, portar até 40 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas de cannabis não será considerado crime.

De acordo com o presidente do Observatório Internacional da Juventude (OIJ), Daniel Calarco, a descriminalização da quantidade “é uma vitória significativa na luta contra a criminalização da juventude negra no Brasil, promovendo uma abordagem mais justa e humana na política de drogas”, destaca ele à Fórum. “Pode reduzir significativamente o encarceramento desses jovens por crimes que, na prática, causam mais danos ao tecido social do que benefícios.”

Daniel Calarco, presidente do Observatório Internacional da Juventude (OIJ). Crédito: Divulgação

A OIJ, uma organização que tem forte atuação nas favelas do Rio de Janeiro e dedicada a promover os direitos da juventude, é conhecida por capacitar jovens de comunidades e periferias para serem agentes de transformação social. Fundada em 2015, a organização promove os direitos da juventude, incentivando o engajamento na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, com atuação nas áreas de Justiça Climática, Equidade de Gênero e Incidência Política, alinhados aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

Programa Jovens Negociadores pelo Clima, iniciativa do OIJ. Crédito: Divulgação / Acervo OIJ

‘Um passo para evitar penalidades injustas’

Dados do Instituto Sou da Paz, mostraram que 67,7% dos presos por tráfico de maconha tinham menos de 100 gramas da droga. O instituto compilou os dados para lançar a campanha "Eu Acredito no Caminho de Volta", com o objetivo de propor penas alternativas para libertar essas pessoas da prisão à época. A iniciativa visava sensibilizar a sociedade sobre as falhas das políticas antidrogas no Brasil, especialmente após a aprovação da Lei 11.343 em 2006, que prevê penas educativas em vez de prisão para usuários.

Outro estudo, elaborado através do relatório "Liberdade Negra Sob Suspeita: o pacto da guerra às drogas em São Paulo", pela Iniciativa Negra com o apoio da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas e do Núcleo Especializado de Situação Carcerária (Nesc) da Defensoria Pública do Estado, revelou que jovens, negros, pobres e residentes das periferias são os grupos mais frequentemente criminalizados por agentes de segurança pública no contexto da aplicação da Lei de Drogas. 

O grupo é o que mais enfrenta maior probabilidade de detenção durante operações de patrulhamento (56%) ou em decorrência de investigações baseadas em denúncias anônimas (52%), mostrou a pesquisa. A análise abrangeu 114 processos penais acompanhados pela Defensoria Pública, desde o estágio de inquérito até a fase de execução da pena. 

“Agora, em vez de responderem criminalmente, os usuários poderão enfrentar sanções administrativas, como cursos obrigatórios ou prestação de serviços à comunidade. Essa mudança busca evitar que decisões arbitrárias e discricionárias de juízes de primeira instância continuem a impactar desproporcionalmente os jovens negros. A fixação do critério objetivo de 40 gramas para diferenciar usuários de traficantes é um passo para evitar penalidades severas e injustas’, comenta Calarco.

“A criminalização do porte de maconha tem historicamente contribuído para a superlotação das prisões brasileiras, onde jovens negros frequentemente enfrentam condições desumanas e são expostos a ambientes que podem intensificar sua marginalização e envolvimento no crime organizado. Maioria dos presos e processados por tráfico é de negros, jovens e pobres. Além disso, ter antecedentes criminais por porte de drogas pode prejudicar irreversivelmente as oportunidades futuras desses jovens, dificultando seu acesso ao mercado de trabalho e perpetuando ciclos de pobreza e exclusão social.”

Apesar da aprovação de descriminalização pelo STF, o presidente da OIJ ainda vê um longo caminho em direção à justiça para os jovens negros brasileiros. “O desafio persiste, pois a maconha continua sendo ilegal e o Legislativo, mais conservador, pode ver essa decisão do Judiciário como desalinhada com suas visões. Mesmo assim, essa medida é fundamental para garantir uma justiça mais equitativa e diminuir a criminalização excessiva de jovens vulneráveis.”