DATA FAVELA

Periferias brasileiras: 94 milhões admitem já ter acreditado em fake news

Levantamento mapeia impactos da desinformação nas favelas e periferias brasileiras; Mentiras impactam até na saúde mental da classe trabalhadora. 86% concordam que difusão de fake news é “problema muito grave”

Favela de Paraisópolis, em São Paulo.Créditos: Roberto Rocco TU Delft via Wikimedia Commons
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A desinformação e a difusão de fake news é um problema que atinge frontalmente as favelas e periferias brasileiras. Desde informações equivocadas sobre políticas públicas e produtos à venda, até a estigmatização dos moradores dessas áreas e o assassinato de reputação de pessoas simples, as fake news impactam negativamente a classe trabalhadora.

Foi com o objetivo de medir esses impactos que o Instituto Data Favela entrevistou 1557 homens e mulheres, moradores das periferias de 127 cidades brasileiras, para montar o relatório “Fake News: a epidemia que invade as periferias”. O instituto, que apoiou o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na elaboração do Censo 2022, só fez entrevistas com pessoas de pelo menos 16 anos. A margem de erro é de 2,6 pontos percentuais.

“As periferias brasileiras enfrentaram com coragem, solidariedade e resiliência a pandemia de Covid-19. Mas hoje uma epidemia diferente impacta o Brasil e também as suas periferias (…) O combate à desinformação sobre as periferias brasileiras e também dentro delas é parte do empoderamento dessas populações. A fake news apaga a periferia do mapa”, diz o texto de apresentação do relatório.

Antes de mais nada, a pesquisa aponta dados sobre o tamanho das periferias brasileiras. Segundo o levantamento feito junto ao IBGE, 73% da população vive em áreas consideradas periféricas. Ao todo, essa população atende a 148 milhões pessoas. É uma população maior que a da Alemanha (83 milhões), duas vezes a da França (68 milhões) e três vezes a da Espanha (47 milhões).

As favelas, por sua vez, concentram 6,6 milhões de domicílios onde moram 16 milhões de pessoas – 9,1% dos lares brasileiros. Ao todo, são 11.403 favelas mapeadas em todo o país.

Entre essa enorme população periférica, 94 milhões de moradores admitem já ter acreditado em informação ou notícia que depois se descobriu ser falsa. O número é calculado por equivalência a partir dos dados da pesquisa, em que 89% dos entrevistados fizeram afirmações nesse sentido: 56% acreditaram algumas vezes na desinformação, 33 % dizem ter acreditado várias vezes e 10% garantem nunca ter caído em fake news.

Entre as elites, são 12% os que admitem ter caído “várias vezes” em fake news, enquanto 74% admitem ter caído “algumas vezes” e 14% alegam ser imunes a desinformação.

Entre as fake news mais ‘acreditadas’ nas periferias estão venda de produtos ou serviços (65%); políticas públicas como educação, saúde e vacinação (64%); informações sobre economia e impostos (58%); notícias sobre segurança pública e leis (52%) e questões ambientais, de ciências ou educação (49%).

Nesse sentido, o trabalho apresenta algumas manchetes de jornal que impactaram cidadãos periféricos. “Ele morreu duas vezes: a batalha de uma mãe para tirar da internet fake news que acusam filho morto de ser traficante”, diz uma notícia da BBC Brasil. “Xingamentos e ameaças: o ativista negro apontado em fake news como infiltrado”, diz outra manchete do mesmo veículo.

“As fake news em que os periféricos mais acreditam tratam de temas potencialmente prejudiciais para a vida social e econômica dos brasileiro”, diz o Data Favela.

Consumo e economia

67 milhões de brasileiros periféricos já acreditaram em informações falsas sobre vendas de produtos e serviços. Na opinião deles, esse tipo de desinformação causa impacto nos bolsos das vítimas, que podem ser induzidas a caírem em golpes e fraudes.

Além disso, fake news sobre o quadro econômico do país podem afetar negativamente comércios locais, prejudicar pequenos negócios e gerar desinvestimentos nos bairros e comunidades.

“Fake news sobre impostos também podem gerar pânico, fomentando práticas de consumo que podem afetar o custo de vida e distorcer a percepção sobre políticas econômicas. Informações falsas sobre economia podem desmotivar investimentos e a formalização de pequenos negócios locais, prejudicando o crescimento e a inovação nas periferias”, diz o Data Favela.

Saúde e educação

66 milhões já acreditaram em fake news sobre saúde, especialmente quando voltadas a políticas públicas e vacinação. Segundo a pesquisa, “notícias falsas sobre saúde e vacinação dificultam a prevenção e o tratamento de doenças, comprometendo a saúde comunitária e colocando a população em risco”.

Quando o tema é educação, as notícias falsas afetam a própria confiança das comunidades em relação a instituições de ensino, o que pode impactar, inclusive, no desenvolvimento escolar e na frequência dos alunos nas escolas.

Segurança Pública

54 milhões já acreditaram em desinformação acerca da segurança pública. De acordo com o Data Favela, essa modalidade de fake news pode distorcer a percepção das leis, privando as pessoas dos seus próprios direitos e deveres e até fomentando julgamentos precipitados e responsabilizações equivocadas de indivíduos acerca de delitos e supostos delitos noticiados.

“A desinformação sobre segurança pública e leis pode minar a confiança da comunidade nas instituições legais, gerando visões distorcidas e estereotipadas tanto de ações e direitos que já existem hoje quanto de lutas históricas por direitos e visibilidade das periferias”, diz a pesquisa.

Saúde mental

Outro dado interessante diz respeito aos impactos das fake news na saúde mental da classe trabalhadora. Quando questionados sobre os sentimentos que os tomaram ao descobrirem ter acreditado numa notícia falsa, 34% dizem ter se sentido burros ou ingênuos.

Na sequência, 31% admitem ter sentido raiva, 22% sentiram vergonha, 18% tristeza, 14% se sentiram ameaçados ou vulneráveis e 10% sentiram medo.

Favela contra a desinformação

“Os moradores das favelas e periferias não estão alheios ao problema: mostram-se preocupados e reconhecem os impactos e que há intencionalidade por trás das fake news”, diz o estudo.

Nesse sentido, 86% dos entrevistados concorda que a disseminação de informações falsas é um “problema grave”. Outros 82% acreditam que “existem grupos e pessoas que tiram proveito de determinadas fake news”.

63% acreditam que robôs e inteligência artificial hoje são utilizados sobretudo para espalhar desinformação e 89% defendem que é dever de toda a população a tomada de iniciativa contra as fake news.