Existe relação entre ondas de calor e aumento da violência? O que diz um professor da USP

Associação entre temperaturas elevadas e crescimento de ocorrências violentas tem sido alvo de estudos há décadas; confira o que já se sabe a respeito

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A associação entre ondas de calor e aumento da violência tem sido alvo de estudos em todo o mundo. E são diversos indicativos apontando que pode haver uma relação entre os dois fatores.

Segundo o professor da Faculdade de Medicina da USP, Paulo Saldiva, "existe uma evidência já antiga, que começou no início dos anos 2000, de que ondas de calor estão associadas com aumento de violência, tanto interpessoal como suicídios", aponta, em entrevista à Rádio USP. "E a gente foi estudar se isso acontecia no Brasil. E usamos dados de todo o país, estudando milhares de casos, no período de 2010 a 2019."

"E o que se observou é que, de fato, as ondas de calor estão associadas com aumento que varia entre 6% a 10% no risco de homicídio. E que isso tem um tempo de efeito das ondas de calor que dura até uma semana. O que explica isso, a biologia disso, ainda não está determinada", pontua Saldiva. "Mas a associação estatística está resolvida."

Mudanças climáticas

Um artigo publicado na prestigiosa revista científica The Lancet, em setembro de 2021, realizado pelos pesquisadores Rahini Mahendran, Rongbin Xu, Shanshan Li e Yuming Guo, apontava que as mudanças climáticas, além dos vários efeitos adversos à saúde, resultavam em aumento da violência interpessoal por conta das temperaturas elevadas.

"Em um estudo retrospectivo em sete cidades dos EUA, cada aumento de 5 °C na temperatura média diária entre 2007 e 2017 foi associado a um aumento de 4,5% em crimes sexuais até oito dias posteriores. Uma análise nacional no Japão entre 2012 e 2015 descobriu que os transportes de ambulância devido a agressões aumentaram linearmente com o aumento das temperaturas diárias. Incidentes violentos também mostraram uma distribuição sazonal pela qual a maioria dos crimes aconteceu no verão ou nas estações quentes do que no inverno", diz o texto. "Portanto, a violência interpessoal em climas quentes provavelmente continuará e aumentará no futuro com o aumento da temperatura devido às mudanças climáticas."

Os autores citam outra pesquisa, realizada em 2014 pelo PhD pela Universidade de Harvard (EUA), Matthew Ranson. A análise é baseada em um painel de 30 anos de dados mensais de crimes e clima para 2.997 condados dos EUA. "Os resultados mostram que a temperatura tem um forte efeito positivo no comportamento criminoso, com pouca evidência de impactos defasados. Entre 2010 e 2099, as mudanças climáticas causarão mais 22.000 assassinatos, 180.000 casos de estupro, 1,2 milhão de agressões agravadas, 2,3 milhões de agressões simples, 260.000 roubos, 1,3 milhão de arrombamentos, 2,2 milhões de casos de furto e 580.000 casos de roubo de veículos nos Estados Unidos", projeta o estudo. 

O que poderia explicar a associação?

O artigo da The Lancet aponta que existem duas teorias principais que podem ajudar a explicar uma associação positiva entre temperatura ambiente e crimes violentos.

A primeira teoria, conhecida como teoria biológica ou da temperatura-agressão, explica que o clima quente induz violência interpessoal ao aumentar o desconforto, a frustração, a impulsividade e a agressão. "No entanto, essa teoria não explica os aumentos de crimes violentos em áreas onde a temperatura aumentou de fria para quente, já que o aumento da temperatura nessa faixa dificilmente causará desconforto", dizem os pesquisadores. 

"Tais cenários requerem a segunda teoria, conhecida como teoria da atividade de rotina, que sugere que a mudança na temperatura ambiente pode alterar as atividades de rotina das pessoas (por exemplo, eventos ao ar livre e contatos sociais) e aumentar os conflitos interpessoais ou criar ambientes adequados para crimes. Também é importante considerar o papel de fatores demográficos, socioeconômicos, cognitivos, de personalidade e biológicos inter-relacionados que afetam a maneira como uma pessoa reage", diz o artigo.

Particularidades locais

Os autores destacam ainda que as associações temperatura-violência são apenas preliminares. "Pode haver outros fatores contribuintes para vários atos violentos que não foram capturados e podem modificar as associações de temperatura. Por exemplo, uma forte associação temperatura-homicídio foi encontrada em cidades dos EUA com alta densidade populacional, idade jovem, baixa proporção de homens e pessoas brancas e alta desigualdade de renda. Essa descoberta sugere que as associações temperatura-violência podem ser modificadas por fatores socioeconômicos e demográficos locais. Assim, é improvável que uma associação observada em um lugar se aplique diretamente a outro cenário", observam. 

"Em resumo, há evidências crescentes que sugerem uma relação entre temperatura e violência no nível populacional. Sem medidas de mitigação eficazes, pode haver, portanto, um aumento na violência interpessoal à medida que a temperatura continua a aumentar. Estudos adicionais em várias comunidades e países são necessários para investigar mais profundamente as relações, avaliar fatores modificadores, mecanismos subjacentes e possíveis estratégias de mitigação de risco", diz o artigo.

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