Os incêndios florestais que começaram em 7 de janeiro na região de Los Angeles, na Califórnia, são considerados os mais devastadores da história da cidade. Até o momento, as chamas consumiram mais de 23,7 mil hectares (cerca de 237 km²). O desastre resultou em pelo menos 25 mortes e forçou a migração de aproximadamente 180 mil pessoas. Além da tragédia, a desinformação viral vem sendo um entrave para os estadunidenses.
Conforme mostrou reportagem da Fórum, a mídia trumpista e simpatizantes de extrema direita nas redes sociais dos Estados Unidos têm aproveitado os incêndios para disseminar fake news sobre as causas e responsabilidades da tragédia. O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, é o que mais propagou desinformação sobre os incêndios em Los Angeles até o momento.
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Em sua conta no Truth Social, ele acusou Joe Biden de deixar a Agência Federal de Gestão de Emergências (Fema) sem dinheiro — uma alegação falsa, já que a agência conta com pelo menos 27 bilhões de dólares em reservas. Trump também disse que o governador da Califórnia, Gavin Newsom, se recusou a assinar uma “declaração de restauração de água”, alegando que isso seria em prol da proteção de uma espécie de peixe em uma coletiva de imprensa. No entanto, não havia nenhuma declaração que precisasse ser assinada.
Na realidade, o governador democrata entrou com uma ação judicial contra um plano do então presidente Trump que pretendia redirecionar a água do norte da Califórnia para os agricultores do Vale Central e do sul do estado em 2020. O governador justificou sua ação com a intenção de proteger espécies locais ameaçadas de extinção.
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Quando os incêndios começaram, a maioria dos grandes reservatórios de água do estado estava cheia ou acima da média histórica. Portanto, o que ocorreu não foi uma escassez de água, mas uma combinação de fatores climáticos e problemas de infraestrutura. Desde outubro, Los Angeles enfrenta um período de seca severa, além de ventos costeiros excepcionalmente fortes, criando condições ideais para o fogo.
Musk alimenta negacionismo climático
Além de Trump, o bilionário autodeclarado de extrema direita Elon Musk também foi um vetor da desinformação, questionando as mudanças climáticas. O proprietário do X (antigo Twitter) alegou que o Corpo de Bombeiros de Los Angeles focou mais em “políticas de inclusão e diversidade”, levantando a hipótese de que "talvez, só talvez, as mudanças climáticas não sejam a principal causa".
O principal alvo, contudo, tem sido os programas que promovem a diversidade, equidade e inclusão (identificados pela sigla DEI, diversity, equity, and inclusion). "Podemos renomear DEI para DIE [verbo "morrer", em inglês], já que é isso que parece acontecer com as pessoas abaixo daqueles que colocam a sinalização de virtude woke muito acima da competência?!?", escreveu o filho do presidente eleito, Donald Trump Jr., no Truth Social.
"DEI significa que as pessoas MORREM", escreveu o bilionário Elon Musk em uma publicação no seu X, sempre alinhado ao republicano. O dono da Tesla foi responsável pela viralização de uma postagem que atacava Kristin Crowley, chefe dos bombeiros de Los Angeles, uma veterana de 22 anos no departamento. Ela é a primeira mulher e o primeiro membro da comunidade LGBTQIA+ a ocupar o cargo na cidade.
Musk compartilhou uma publicação de Chaya Raichik, administradora de um dos perfis anti-LGBTQIA+ que mais propaga ódio nos EUA, LibsOfTikTok. "Conheça a chefe dos bombeiros de Los Angeles, Kristin Crowley. Ela se gaba de ser a primeira chefe de bombeiros mulher e LGBTQ no Departamento de Bombeiros de Los Angeles. Promover uma cultura de DEI é sua prioridade. Isso faz você se sentir mais seguro?”. Com a ajuda do bilionário, a publicação foi visualizada mais de 5 milhões de vezes.
Outra postagem, do teórico da conspiração Alex Jones, também recebeu a aprovação de Musk. A publicação alegava que os incêndios eram parte de “uma conspiração globalista para travar uma guerra econômica”, orquestrada como parte de um esquema para desindustrializar os EUA. O bilionário, em uma postagem agora excluída, escreveu: “Verdade”, como relata a Wired.
Na Fox News, emissora que funciona como porta-voz do trumpismo, diversos comentaristas seguem a mesma toada. O colaborador da rede Leo Terrell disse ao apresentador Sean Hannity: “Ter DEI, ter justiça social no corpo de bombeiros, isso é ridículo”.
Ao desviar a atenção da crise climática, a extrema direita emprega uma estratégia calculada: ataca, sem qualquer base científica, a atuação de bombeiros e propaga teorias conspiratórias. Essa tática serve a um duplo propósito: fortalece o discurso de ódio e nega a evidência científica que liga as mudanças climáticas ao aumento da frequência e intensidade de incêndios florestais.
A afirmação do apresentador da Newsmax TV, Rob Finnerty, de que o caos na Califórnia é resultado de políticas de diversidade, equidade e inclusão, em vez de um clima cada vez mais extremo, exemplifica essa estratégia de desinformação.
A expectativa é de que Donald Trump, após assumir novamente a presidência, retire os Estados Unidos do Acordo de Paris, assim como fez em 2017, comprometendo ainda mais os esforços globais para combater as mudanças climáticas, já considerados insuficientes. Sua postura tem minado as iniciativas internacionais para conter os impactos ambientais, exacerbando uma crise que afeta a todos no planeta.
Em relação aos incêndios na Califórnia, eles são um fenômeno pouco comum para essa época do ano, mas uma combinação de fatores específicos acabou criando as condições ideais para essa tragédia. A cientista Jennifer Balch, especialista em incêndios e pesquisadora da Universidade do Colorado, publicou um estudo na revista Science em outubro de 2024, onde analisou 60 mil incêndios desde 2001. Ela constatou que os incêndios que se espalham mais rapidamente aumentaram em frequência, mais do que dobrando desde 2001.
"Os incêndios agora se espalham com maior rapidez", afirmou Balch à Associated Press. "O principal fator que suspeitamos ser responsável é o aumento da temperatura, que facilita a propagação do fogo quando as condições ambientais são favoráveis."
Repercussão no Brasil
As teorias conspiratórias espalhadas por Trump e Musk já ganharam espaço nas redes sociais brasileiras. Um vídeo de Trump, falando sobre a suposta “declaração de restauração de água” no podcast The Joe Rogan Experience, circula em perfis no X e grupos no Telegram com legendas.
Além disso, publicações racistas no TikTok apresentam vídeos de um grupo de familiares e amigos negros removendo objetos de uma casa afetada pelos incêndios, tratando-os como saqueadores no meio da tragédia.
Aproveitando a visibilidade do tema, usuários estão buscando engajamento com imagens e vídeos sensacionalistas gerados por inteligência artificial. A agência de checagem "Aos Fatos" desmentiu nos últimos dias postagens que mostram incêndios falsos ou o letreiro de Hollywood incendiado.
Trump na presidência agravará aquecimento
Os Estados Unidos são o maior produtor de petróleo do mundo e o segundo maior emissor de gases de efeito estufa e, embora estejam adotando iniciativas para reduzir as emissões, essas medidas não serão suficientes para conter os efeitos catastróficos do aquecimento global. A implementação da Lei de Redução da Inflação, sancionada pelo presidente Joe Biden, destaca-se como um exemplo, com foco na diminuição das emissões no setor energético.
No entanto, o retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos pode ter um impacto negativo nas políticas climáticas do país. Embora o efeito exato dessa mudança ainda seja incerto, uma estimativa preliminar do CAT sugere que o desmonte ambiental característico de sua gestão anterior poderia adicionar 0,04°C ao aquecimento global, que se projeta para alcançar 2,7°C até 2100.
Reconhecido negacionista da crise climática, o republicano prometeu durante sua campanha aumentar a produção de combustíveis fósseis e limitar os gastos de Biden com iniciativas de economia verde. Trump também declarou que retiraria os Estados Unidos do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, como fez por um período durante seu primeiro mandato.
Ele ainda está cogitando a saída da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) de 1992, o tratado internacional que estabelece a estrutura para os países cooperarem no enfrentamento das mudanças climáticas. "Eleição de Donald Trump como presidente impactaria os níveis de temperatura projetados que apresentamos aqui, mas não se sabe até que ponto", dizem os pesquisadores.
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