Em apenas um ano, o número de ataques com agrotóxicos contra comunidades rurais aumentou cerca de 10 vezes, de acordo com o novo levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgado nesta segunda-feira (2). Essa realidade vem sendo chamada nos últimos anos como "guerra química", em que o veneno é jogado sobre pessoas, plantações e casas em cenário de conflitos agrários.
De acordo com o documento, foram 182 registros desses ataques no primeiro semestre de 2024, contra 19 registrados no mesmo período do ano passado. O número deste ano também é maior que o da série histórica, de 2015 a 2023, quando foram contabilizados 122 ataques químicos.
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O estado mais afetado pela guerra química é o Maranhão, onde se concentrou a maioria (156) dos registros. Em setembro deste ano, a Fórum publicou uma reportagem relatando essa realidade e mostrando que, somente no estado maranhense, 190 comunidades tradicionais, quilombolas e assentamentos rurais em 32 municípios sofrem graves consequências devido à pulverização de agrotóxicos.
"Este tipo de violência, em específico, está inserido nos conflitos pela terra, pela água e na violência contra a pessoa", explica o relatório da CPT.
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O documento aponta que neste ano houve menos vítimas da violência no campo em relação ao mesmo período no último ano, mas que a conflitividade continua elevada, "somada aos danos sofridos pelas comunidades rurais devido à crise climática e aos incêndios criminosos em seus territórios". Segundo o relatório, foram registradas 1.056 ocorrências de conflitos no campo, sendo 872 pela terra, 125 pela água e 59 casos registrados de trabalho escravo.
Tipo de violências registradas
Registraram queda no primeiro semestre de 2024 as formas de violência como grilagem, invasão, omissão/conivência e pistolagem, além de expulsões concretizadas. Porém, por outro lado, houve aumento das ocorrências de ameaça de expulsão, que passaram de 44, em 2023, para 77, em 2024.
Principais vítimas da guerra química
O levantamento aponta que as principais vítimas dos ataques com agrotóxicos foram os posseiros (famílias moradoras de comunidades tradicionais, mas ainda não têm a titulação da terra). Foram registrados 235 casos de violência contra esse grupo no primeiro semestre de 2024.
Em segundo lugar, aparecem os indígenas (220) que, em 2023, ocupavam a liderança do ranking. Em seguida, vem quilombolas (116) e sem-terra (92).
Já em relação aos agressores, aparecem fazendeiros, que lideram em 339 conflitos, seguidos por empresários (137), governo federal (88) e estaduais (44) e grileiros (33).
Conflitos pela água
A CPT também chama atenção para os conflitos pela água registrados no primeiro semestre de 2024. O número de 125 ocorrências representa o 3ª maior quantidade de casos do primeiro semestre nos últimos 5 anos. Os principais tipos de violência no eixo Água são de “Uso e preservação” e “Barragens e Açudes”.
De acordo com a análise, entre as situações de conflitos registradas, estão o “Não cumprimento de procedimentos legais” (de 33, em 2023, para 45 ocorrências em 2024), “Contaminação por agrotóxicos” (16 para 31) e “Destruição e/ou poluição” (24 para 29) são as que mais cresceram em relação ao ano anterior.
As principais vítimas desses conflitos foram os povos indígenas (35), seguidos por quilombolas (24), posseiros (21), ribeirinhos (18) e pescadores (13). Já em relação aos agressores, os empresários lideram o ranking, envolvidos em 32 casos de violência. Em seguida, aparecem fazendeiros (26), hidrelétricas (23), mineradoras (19) e o Governo Federal (8), por meio de órgãos públicos que não cumprem procedimentos legais de garantia de políticas públicas aos povos e comunidades.
Regiões dominadas pelo agronegócio registram mais casos de violência
O relatório ainda aponta que houve aumento de conflitos pela terra em regiões dominadas pelo agronegócio ao redor da Amazônia (Amacro, Matopiba e Amazônia Legal). A CPT aponta que as formas de violência contra pessoas mais frequentes nas três regiões são:
- Amazônia Legal: Foram registrados 77 casos de Intimidação, 68 ocorrências de Criminalização e 30 pessoas diretamente afetadas por Contaminação por Agrotóxicos. Esta região concentra 7 dos 11 assassinatos em todo o país;
- Amacro: A região apresenta 10 pessoas Ameaçadas de Morte, 9 casos de Criminalização e 7 episódios de Intimidação;
- Matopiba: Mantendo a tendência de violência contra pessoas, a região registrou 42 Ameaças de Morte, 13 casos de Criminalização e 4 episódios de Intimidação.
O relatório ainda traz dados sobre trabalho análogo à escravidão, violência contra a pessoa, crise climática e assassinatos e pode ser acessado por meio deste link. Os resultados obtidos irão integrar o Caderno Conflitos no Campo 2024, que será lançado em abril de 2025.
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