INDÚSTRIA DO VENENO

Quais os riscos do Brasil ter mantido agrotóxicos fora do “Imposto do pecado”

Mercado de pesticidas tem se beneficiado das isenções fiscais por mais de 25 anos; agronegócio coloca país na contramão do mundo em relação a tributação

Projeções da Receita Federal indicam que as isenções para agrotóxicos alcançarão R$ 6,3 bilhões em 2024.Créditos: Agência Brasil
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Em uma decisão que contraria tendências globais, o Brasil, um dos principais produtores agrícolas do mundo, aprovou a reforma tributária que reduz impostos sobre agrotóxicos associados a riscos de saúde, como câncer e outras doenças. 

Enquanto outros países buscam aumentar a tributação desses produtos, o Brasil resolveu manter a isenção fiscal após intenso debate sobre os produtos que entrariam no Imposto Seletivo, também chamado de Imposto do Pecado, no dia 10 de julho. Agrotóxicos têm desfrutado de alívio tributário por décadas. No ano passado, por exemplo, deixaram de contribuir com R$ 5,9 bilhões, o maior valor desde 2019. 

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Projeções da Receita Federal indicam que as isenções para agrotóxicos alcançarão R$ 6,3 bilhões em 2024. O mercado de agrotóxicos tem se beneficiado das isenções durante 27 anos. Este princípio permite que o Estado selecione produtos de importância social para receber benefícios fiscais. Em outras palavras, produtos considerados essenciais para a sociedade podem ser elegíveis para isenções ou reduções tributárias. É neste contexto que a isenção fiscal para agrotóxicos ocorre.

Segundo um estudo da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a perda estimada de receita para os estados e a União em 2021 foi de R$ 12,9 bilhões, levando em conta a venda de agrotóxicos. Para colocar isso em perspectiva, essa quantia é cinco vezes maior que o orçamento de R$ 2,6 bilhões destinado pela União em 2024 para a prevenção e combate a tragédias climáticas.

60% de isenção a agrotóxicos

Na contramão das práticas tributárias globais, a reforma tributária recente estabeleceu uma alíquota padrão, conhecida como IVA, para todas as mercadorias, incluindo agrotóxicos, que agora desfrutam de um desconto significativo de 60% sobre essa taxa. Esta concessão se baseia na classificação dos agrotóxicos na mesma categoria que legumes, verduras, mel, leite fermentado e sucos naturais.

Na Europa, países como França, Noruega e Dinamarca adotam uma abordagem de tributação progressiva para agrotóxicos, baseada no grau de nocividade. Estudos científicos são utilizados pelas autoridades para avaliar os impactos à saúde, ao meio ambiente e às águas subterrâneas, determinando assim alíquotas que aumentam conforme o potencial de danos. Na França, por exemplo, 11% dos agrotóxicos são classificados como pertencentes ao grupo denominado AAP (Agrotóxicos Altamente Perigosos).

De acordo com um estudo publicado no Caderno de Saúde Pública, revista científica associada à Fiocruz e reconhecida internacionalmente, 67% do volume de agrotóxicos utilizado nas plantações brasileiras é altamente nocivo. A redução de impostos para agrotóxicos já era prevista desde o início das discussões da reforma tributária. O texto original do governo federal já propunha uma alíquota reduzida para esses produtos. Essa isenção, que beneficia o agronegócio desde 2004, foi mantida pelo grupo de trabalho formado por deputados da bancada ruralista.

Ruralistas usam desinformação e greenwashing 

O Laboratório de Estudos da Internet e Redes Sociais (Netlab) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) publicou um estudo em janeiro deste ano sobre a atuação da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) em posts patrocinados na Meta, em páginas como o Facebook, Instagram, Audience Network e Messenger. O objetivo era aprofundar o entendimento das práticas nocivas identificadas na comunicação digital da atual bancada ruralista do Congresso. 

À época, foram analisados 207 anúncios patrocinados postados nas redes sociais da FPA de janeiro a novembro de 2023 e se descobriu que quase metade deles (94, ou 45%) continha algum tipo de conteúdo considerado tóxico ou manipulado. Pelo menos 43 se enquadraram como greenwashing e 72 na categoria de desinformação. Posts veiculados com as duas categorias totalizaram 21 conteúdos. Leia mais nesta matéria da Fórum.