Um megamural que denuncia a destruição ambiental causada por uma das maiores empresas do agronegócio, a Cargill, na Amazônia, foi inaugurado nesta quarta-feira (23), em São Paulo. A obra foi feita com cinzas da Floresta Amazônica, do Cerrado, da Mata Atlântica e do Pantanal, biomas que estão sendo destruídos para abrir espaço para lavouras de soja que vendem sua produção à empresa dos Estados Unidos. Além disso, também foi usada lama de cidades do Rio Grande do Sul devastadas pelas inundações.
O mural, feito pelo artivista Mundano, traz a imagem da indígena Alessandra Munduruku, uma das mais ativas lideranças brasileiras na denúncia da irresponsabilidade ambiental da Cargill, cobrando a realização da promessa de eliminar produtos oriundos de desmatamento de sua cadeia de fornecimento até 2025.
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A Cargill foi fundada por uma família que hoje é a 14ª mais rica dos Estados Unidos, concentrando um patrimônio líquido combinado de aproximadamente US$ 60 bilhões. A empresa congrega mais bilionários do que qualquer outra no mundo. O objetivo do mural é tirar a Cargill do anonimato e cobrar a responsabilidade pela destruição ambiental que ela provoca no país.
Além disso, a obra também cobra uma promessa feita pela família Cargill-MacMillan em novembro de 2023, que se comprometeu a eliminar produtos advindos do desmatamento até 2025. Porém, a empresa continua adquirindo produtos de áreas desmatadas e apoia o megaprojeto da Ferrogrão, uma ferrovia de quase 1 mil km no meio da Amazônia para ampliar a produção e exportação de grãos pelo rio Tapajós, afetando unidades de conservação, terras indígenas e comunidades locais que sequer foram consultadas.
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A Ferrogrão também ameaça aprofundar as violações em curso em uma região onde a Cargill já opera intensamente, tendo construído seu terminal graneleiro sobre um cemitério indígena em Santarém (PA). No ano passado, a empresa foi até denunciada à OCDE por falhas na verificação da legalidade ambiental da soja brasileira que ela adquire.
"O artivismo é uma maneira de alertar sobre a emergência climática, o maior desafio da humanidade. No Brasil e no mundo sofremos com ondas de calor, secas severas, enchentes, causadas pelo desequilíbrio ambiental que grandes corporações como a Cargill estão promovendo", afirma Mundano.
Meu país foi engolido pela fumaça da ganância. Cargill-MacMillan querem ser lembrados por serem uma família que acelerou a extinção da humanidade ou por ter sido a família que entendeu a urgência e foi uma das propulsoras para iniciar uma grande mudança global?
Alessandra Munduruku declarou que vê o mural como “um pedido de basta em toda destruição que empresas como a Cargill insistem em fazer pelo mundo todo".
Se não pararmos com essas práticas o único cenário que as gerações futuras vão conhecer é esse que está atrás de mim na pintura: árvores queimadas e rios secos. Espero que quem passar por esse prédio se veja mais como parte da natureza e se enfureça com os que estão a destruindo.
O mural, que está localizado em um prédio cuja lateral é voltada para a Avenida Brigadeiro Luís Antônio, a duas quadras da Avenida Paulista, é um dos maiores de São Paulo e foi executado em parceria com a Campanha Burning Legacy da Stand.earth. Após a inauguração do mural, a Stand.earth levará a mensagem até a porta da família Cargill-MacMillan nos EUA por meio de uma série de cartazes criados por Mundano com líderes indígenas e suas comunidades. Cada cartaz terá o nome de um membro da família impresso com as mesmas cinzas de florestas usadas na produção do mural e a frase: “Cumpra Sua Promessa – Pare a Destruição”.
“A família Cargill-MacMillan diz que não é responsável pelas ações da Cargill porque não está envolvida em sua gestão”, explica Mathew Jacobson, diretor da campanha Burning Legacy, da Stand.earth. “Isso é como dizer que não sou responsável se meu cachorro te morder porque não estou envolvido no seu adestramento. Como proprietários da Cargill, eles são responsáveis por suas ações. Apenas eles podem decidir se o legado de sua família será de mudança de curso e proteção das florestas do mundo ou se serão responsáveis por sua extinção", diz.
Sobre o mural
Com mais de 30 metros de altura e 48 metros de largura, totalizando 1.581,60m² de área, o mural Keep Your Promises é um dos maiores da cidade de São Paulo e da América do Sul. Sua execução foi muito desafiadora: foram seis artistas que se movimentaram com oito balancins elétricos em um dos prédios com maior lateralidade em São Paulo.
Todas as tintas foram feitas com cinzas da Amazônia, da Mata Atlântica, do Pantanal, do Cerrado, além de lama das enchentes do Rio Grande do Sul, terra jogada fora em caçambas em São Paulo e argila coletada na terra indígena Sawré Muybu – ou seja, são pigmentos naturais feitos a partir de crimes e desastres ambientais.
Mundano explica que a inspiração vem da destruição causada pelas cadeias de fornecimento da soja e da carne, que é gigantesca. "Daí a ideia foi fazer o maior mural possível em São Paulo. A inspiração vem também da experiência de andar em cima de solo rachado da seca, de ter andado e coletado as cinzas com as quais a tinta foi feita. Vem de ver a floresta queimar, de apagar incêndio florestal, criminoso, ali como fazem os brigadistas". Por isso, ele colocou em 1.440 metros quadrados a mensagem, escrita em um cartaz e desenhada no fundo, representando a seca vivenciada em boa parte do nosso país, do sul global e outras regiões, mas também as queimadas dos biomas.
A inspiração vem também da vivência propiciada pela expedição que Mundano fez com a Alessandra Corapi e mais de 50 indígenas que na região do Tapajós autodemarcaram a terra indígena Sawré Muybu. Foi ali que Mundano viu como a Alessandra é uma guerreira gigante que está defendendo seu território, está defendendo a Amazônia de pé – e defendendo-a contra o avanço da soja que acaba sendo comercializada pela Cargill. Daí a decisão de pintar a Alessandra como gigante no mural.
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