NOVA FRONTEIRA DO AGRO

Tapajós: Multinacional Cargill viola direitos dos povos tradicionais no porto de Miritituba

Estudo inédito da ong Terra de Direitos revela a sistemática violação do direito dos indígenas pela multinacional líder em exportação de soja e a falta de fiscalização das autoridades ambientais do Pará

Créditos: M'Boia Produções - Porto da Cargill em Itaituba (PA)
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A Cargill Agrícola S.A chegou ao oeste do Pará em 2000. Hoje, a região representa para o agronegócio a nova fronteira de produção de commodities agrícolas, principalmente, grãos como soja e milho, no Brasil. 

Essa nova fronteira do agronegócio tem profunda relação com a atuação da Cargill na região. O próprio setor reconhece esse novo status do oeste paraense ao sediar em Santarém, em 2023, o evento que marcou o início da colheita anual da soja no país.

Depois do município de Santarém, em 2000, a multinacional expandiu sua atuação para outra parte do Rio Tapajós, o distrito de Miritituba, em Itaituba. A cidade abriga atualmente o nó logístico que é uma das rotas mais importantes para escoamento de commodities agrícolas de Mato Grosso, o Corredor Logístico Tapajós-Xingu.

Os granéis agrícolas saem do Mato Grosso via BR-163 até a chegada às Estações de Transbordo de Carga (ETCs), de onde seguem via hidrovia do Tapajós-Amazonas até os portos de Santarém/PA, Barcarena/Belém/PA ou, mais recentemente, Santana/AP, de onde são embarcados para o exterior. O complexo portuário de Miritituba reúne cerca de 19 portos – incluindo o da Cargill. 

Violação sistemática de direitos

Reprodução

O estudo da ong Terra de Direitos, lançado na última quinta-feira (27), Sem Licença Para Destruição – Cargill e as violações de direitos no Tapajós, revela a sistemática violação do direito dos indígenas e a falta de fiscalização pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Pará. 

Trata-se da segunda parte do estudo, a primeira é intitulada Cargill e as Violações de Direitos no Tapajós, e aborda a atuação da multinacional no município de Santarém. 

O levantamento inédito sobre o porto da Cargill em Itaituba identifica uma série de impactos socioambientais e irregularidades cometidas pela empresa no processo de licenciamento ambiental no porto.

A conclusão é de que a multinacional não realizou a consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas Munduruku e nem os estudos de impacto ambiental que preveem os danos provocados aos indígenas que vivem na área de influência da empresa em Itaituba. 

O direito à Consulta Prévia, Livre e Informada está previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e estabelece que povos e comunidades tradicionais devem ser consultados quando um empreendimento ou lei afete seu território ou modo de vida. 

Mudanças na paisagem e nas dinâmicas sociais

M'Boia Produções - Porto da Cargill em Itaituba (PA)

O porto da Cargill – juntamente com os demais portos presentes em Itaituba e Miritituba – foram os responsáveis por modificar a paisagem e as dinâmicas sociais, econômicas e espaciais nesses dez anos de presença na região. 

Para a população indígena Munduruku, os impactos socioambientais se somaram ao não reconhecimento de seus territórios. Nos estudos de impacto ambiental apresentados pela Cargill são identificadas apenas duas aldeias (Praia do Índio e Praia do Mangue), no entanto, no relatório que visa apresentar os impactos e as ações reparadoras dos danos causados pela empresa, os indígenas Munduruku tiveram a completa negação de sua existência.

“Olha, acima de tudo, a questão de humanidade, o direito de consulta dos povos indígenas né? O direito de viver, nosso direito a se alimentar, direito de praticar o modo de vida que a gente foi ensinado há anos, porque todos os direitos nossos estão sendo violados, seja na cultura, de forma sociotradicional", desabafou ao levantamento da Terra de Direitos um indígena da Aldeia Praia do Mangue, que fica localizada na margem esquerda do Rio Tapajós, em frente ao porto da empresa.

"Então essa visão capitalista está destruindo nossa forma de viver, violando esses direitos que nós temos na Constituição, que hoje está sendo rasgada, sendo queimada, por pessoas que não têm compromisso nenhum, em se tratando do governo. Outros muito menos né?”, concluiu o indígena que não teve o nome publicado.

Para a assessoria jurídica da Terra de Direitos, ao ignorar completamente a existência dos povos indígenas Munduruku em Itaituba, a Cargill não ofereceu nenhuma possibilidade de reparação de danos e nem garantiu que os indígenas fossem ouvidos e emitissem qualquer opinião a respeito no processo de instalação dos portos, dessa forma violando o direito a consulta prévia, livre e informada - resguardado pela Convenção 169 da OIT.  

Efeito Arco Norte

M'Boia Produções 

Além da expansão portuária proporcionada pelo avanço do agronegócio para a região do Tapajós, a rota alternativa de exportação chamada Arco Norte também trouxe uma série de impactos para as populações tradicionais. 

Esse projeto de logística pretende criar um novo sistema de transportes, em seus vários modos, para ser o responsável pelo escoamento de cargas e insumos com a utilização dos portos ao norte do Brasil, desde Porto Velho, em Rondônia, passando pelo Estados do Amazonas, Amapá e Pará, até o sistema portuário de São Luís, no Maranhão. 

Poder econômico

A Cargill está presente em 70 países e no Brasil desde 1965, a empresa multinacional dos EUA de capital privado é umas das líderes mundiais em exportação de commodities agrícolas no Brasil. 

De acordo com o presidente da Cargill no Brasil, Paulo Sousa, em entrevista a Forbes no dia 21 de abril, a empresa opera entre 650 a 700 embarcações no mundo e em 2021 obteve um recorde histórico em receita com R$ 101 bilhões, 50% acima do ano anterior. 

Os números recordes da Cargill demonstram a grandeza da empresa e, consequentemente, o poder e status exercido no âmbito econômico. 

"Os portos da Cargill impulsionaram a expansão da monocultura de grãos na região e promovem, ainda hoje, a violação de direitos humanos de indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores e de outros povos e comunidades tradicionais. O modo de operar da Cargill na região do Tapajós, no Pará, segue o padrão das violações de direitos humanos de povos e comunidades tradicionais e das irregularidades ambientais cometidas pela empresa", aponta o relatório da Terra de Direitos.

A Revista Fórum entrou em contato com a assessoria de imprensa da Cargill. Assim que houver resposta, será publicada. Também acionou a assessoria de comunicação da Sema e do governo do PA por e-mail, mensagem por aplicativo e telefonema (número que consta no site do governo não atendeu).