Duas organizações indígenas, o Instituto Kabu e a Rede Xingu+, se uniram ao Psol e divulgaram nota pública nesta segunda-feira (29) em que tecem duras críticas ao grupo de trabalho formado para discutir a construção da Ferrogrão, um megaprojeto de ferrovia que cortará o sul da Amazônia em trajeto de quase mil quilômetros, entre a cidade de Sinop (MT) e o porto de Miritituba (PA).
De interesse do agronegócio, a obra serviria para o escoamento da produção agrícola e de minérios ao porto amazônico, por onde as commodities seguiriam caminho até a foz do Amazonas. De lá, estariam próximos do Canal do Panamá, para escoar a produção para a China e o oeste dos EUA. No entanto, como demonstrado por matéria anterior da Fórum, a crise do Canal do Panamá coloca em xeque esse objetivo, ao passo que ao longo do traçado da ferrovia já estão em curso conflitos por territórios e desmatamento de áreas naturais.
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Kabu, Xingu+ e Psol consideram que o grupo de trabalho não atendeu as demandas dos povos indígenas.
“Há um ano, o Ministério dos Transportes sugeriu, no âmbito da ação contra a Ferrogrão (ADI 6553) no Supremo Tribunal Federal (STF), que fosse criado um Grupo de Trabalho (GT), com participação de diferentes representantes do governo e da sociedade civil, para debater o projeto da Ferrogrão (EF 170). Infelizmente, apesar dos esforços da Subsecretaria de Sustentabilidade do mesmo Ministério, depois de nove meses desde nossa primeira reunião, atesta-se que este GT, criado pela Portaria 994/2023, não cumpre seu papel”, diz a nota.
Também criticam o próprio governo federal pelo esvaziamento da representação.
“O que deveria ser um espaço de diálogo transversal e interministerial terminou esvaziado, sem que a Casa Civil enviasse sequer um representante a uma única reunião. O que deveria ser um espaço com participação da sociedade, dependeu da mobilização logística das próprias organizações e movimentos para assegurar suas presenças. E o que deveria ser um espaço de debates profundos terminou sendo um ambiente secundarizado e sem ressonância nos processos de tomada de decisão”, diz outro trecho.
A nota lembra que as regiões presentes ao longo do traçado já estão sofrendo com desmatamento e disputas de terras e aponta que, para os povos e a sociedade civil como um todo, o esperado é que o governo declare a inconstitucionalidade do projeto. O traçado da Ferrogrão hoje é analisado pelo Supremo Tribunal Federal por conta de uma ação protocolada pelo Psol em 2016.
Leia a nota na íntegra
Há um ano, o Ministério dos Transportes sugeriu, no âmbito da ação contra a Ferrogrão (ADI 6553) no Supremo Tribunal Federal (STF), que fosse criado um Grupo de Trabalho (GT), com participação de diferentes representantes do governo e da sociedade civil, para debater o projeto da Ferrogrão (EF 170). Infelizmente, apesar dos esforços da Subsecretaria de Sustentabilidade do mesmo Ministério, depois de nove meses desde nossa primeira reunião, atesta-se que este GT, criado pela Portaria 994/2023, não cumpre seu papel.
O que deveria ser um espaço de diálogo transversal e interministerial terminou esvaziado, sem que a Casa Civil enviasse sequer um representante a uma única reunião. O que deveria ser um espaço com participação da sociedade, dependeu da mobilização logística das próprias organizações e movimentos para assegurar suas presenças. E o que deveria ser um espaço de debates profundos terminou sendo um ambiente secundarizado e sem ressonância nos processos de tomada de decisão.
A tramitação de novos estudos sobre o projeto sem participação do GT é prova disso. A INFRA S.A. e o Ministério dos Transportes já divulgaram que os estudos, realizados pela mesma empresa autora dos anteriores, serão aprovados sem discussão, participação ou transparência. Além disso, a ANTT estipulou um cronograma de leilões para 2025 que já inclui a Ferrogrão, contrariando a decisão do STF e desrespeitando a urgente e obrigatória consulta livre, prévia e informada aos povos e comunidades da região.
Diante disso, o Instituto Kabu, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e a Rede Xingu+, membros da sociedade civil que integram o GT, anunciamos que, a partir de hoje, não mais participaremos do grupo. Juntamente com a Aliança #FerrogrãoNão, manifestamos nossa discordância e profunda preocupação pelo tratamento dado ao tema. Não mediremos esforços para barrar esses trilhos de destruição e seguiremos os diálogos com o governo federal de outras maneiras e em outras instâncias.
Ressaltamos que já existe um grande passivo ambiental e fundiário na região e que o projeto inicial da Ferrogrão possui estudos falhos, ignora impactos sinérgicos e cumulativos e desrespeita o referido direito à consulta dos povos e comunidades afetadas. A ferrovia resultaria no desmatamento de mais de 2 mil km² de floresta nativa, impactaria 4,9 milhões de hectares de áreas protegidas e afetaria pelo menos 16 terras indígenas, e diversos quilombos e comunidades tradicionais. Tudo isso para aumentar os lucros de grandes empresas transnacionais exportadoras de soja e milho.
O governo brasileiro precisa reconhecer a inconstitucionalidade do traçado da Ferrogrão e cancelar esse empreendimento perigoso. Do mesmo modo, é urgente promover a regularização fundiária, titulação de territórios quilombolas, demarcação das terras indígenas e a execução do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal na região. Projetos de infraestrutura e logística não podem seguir promovendo a destruição da Amazônia, do Cerrado e do futuro de todas e todos nós.