JUSTIÇA

Ferrogrão: “Obra do governo Bolsonaro viola a Constituição e é retrocesso socioambiental”, afirma advogado

Em entrevista à Fórum, Melilo Dinis fala sobre ação que paralisou principal obra de infraestrutura de Bolsonaro que será analisada pelo Supremo na próxima semana

Créditos: Divulgação - Advogado Melilo Dinis
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Na próxima terça-feira (15) está previsto mais um embate entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Está agendada para ir a julgamento pelo plenário da Suprema Corte a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6553 que trata de uma das principais obras de infraestrutura do governo federal, a EC-170, conhecida como Ferrogrão.

Na primeira quinzena de março de 2021, o ministro Moraes suspendeu o trâmite da construção da obra. Curiosamente, não foi a obra em si a motivação da liminar nem da ADI impetrada pelo advogado Melillo Dinis, do Instituto Kabu, com apoio do PSOL.

Dinis, que é professor de Direito, radicado em Brasília e ligado às causas sociais, descobriu que os limites do Parque Nacional do Jamanxim haviam sido alterados no governo Michel Temer por meio de uma medida provisória. “Ora, unidades de conservação só podem ser alteradas via projeto de lei”, afirma Dinis. “O STF, em situações anteriores, já havia se manifestado sobre o tema”.

Confira a entrevista de Dinis à Revista Fórum sobre o julgamento que tem potencial para tensionar ainda mais as relações entre o Planalto e a Suprema Corte. 

Por que a Ferrogrão se tornou um imbróglio jurídico?
A EF-170, mais conhecida como Ferrogrão, é uma estrada de ferro que será construída sob o regime de concessão (69 anos) no Corredor de Sociobiodiversidade do Xingu (CSX), parte da Amazônia oriental, que sairá do Mato Grosso, Sinop (MT), até Miritituba/Itaituba (PA), cortando a Amazônia, com o propósito de transportar grãos para os grandes produtores da região. É um desses grandes projetos de infraestrutura em que não são considerados os diversos impactos socioambientais. A questão jurídica é simples. Para o trajeto ser mais barato, foi editada uma medida provisória (Medida Provisória 758/2016), depois transformada em lei inconstitucionalidade da (Lei nº 13.452/17). Ela alterou os limites do Parque Nacional do Jamanxim e criou a Área de Proteção Ambiental Rio Branco. Conforme a peça de ingresso, ela violou os arts. 216, 225, § 1º, III, e 231 da Constituição Federal, além de afrontar os princípios da reserva legal e da proibição do retrocesso socioambiental. 

Não é só o caso do Parque Jamanxim: outras cláusulas constitucionais são ignoradas pelo presidente Jair Bolsonaro e seus ministros, principalmente as relativas aos problemas e desafios ambientais. Isso é desconhecimento jurídico, digamos assim, ou má-fé? 
São quatro os fenômenos permanentes do atual governo: ignorância acerca da Constituição, má-fé, uma estratégia de desgaste permanente das instituições e a destruição dos direitos que se consolidaram a partir da Constituição de 1988. 

A União, a partir da década de 2000, começou a ouvir as populações mais expostas (índios, posseiros, ribeirinhos) ao tomar iniciativas de tal porte. O que mudou? E por que mudou?
A União e seus órgãos sempre tiveram muita dificuldade em compreender e pautar os seus procedimentos dentro dos marcos constitucionais, legais e éticos. Ouvir as populações é dever e direito. Mas vamos a um exemplo concreto. Em 2017, os povos indígenas do Xingu souberam da iniciativa do governo brasileiro de levar adiante esta estrada de ferro em sua região. Propuseram às autoridades que houvesse um diálogo de boa-fé sobre o projeto da Ferrogrão, cuja motivação era a expansão da fronteira agrícola brasileira por conta da demanda por uma infraestrutura integrada de transporte de carga que conectasse os produtores de grãos do Mato Grosso aos portos no norte do Brasil. Apesar do governo ter se comprometido (por escrito) a realizar a Consulta e Consentimento Livre, Prévio e Informado (CCLPI), na forma da Convenção da OIT nº 169, antes de remeter o processo de desestatização da ferrovia ao Tribunal de Contas da União (TCU), isto não aconteceu. Ao tomar consciência que o governo agira de má-fé, sem respeitar a palavra empenhada, as lideranças entenderam que teriam de lutar e determinaram que suas equipes técnicas, dentre eles os advogados, apresentassem as medidas necessárias. 

Como foi o processo? 
A primeira foi averiguar o projeto, seus custos socioambientais e seus impactos sobre as áreas protegidas do Corredor de Sociobiodiversidade do Xingu (CSX). Depois, uma solução jurídica, que nos levou à ADI 6553 no STF. Por fim, um debate com toda a sociedade acerca do modelo de vida e de bem viver na região, em que pese a quantidade de megaprojetos que sempre prejudicaram as populações mais expostas. Na atual conjuntura, o pouco que existia antes desapareceu e a única forma de presença do governo federal é por meio de iniciativas autoritárias e desprovidas de qualquer espaço para um diálogo construtivo.

Como o senhor espera que o pleno do STF se comporte? Que lições o mundo jurídico, a sociedade e gestores públicos podem tirar dessa questão?
Nunca se pode prever uma decisão do STF. Entretanto, confiamos muito no compromisso da Corte com a Amazônia, com o futuro, com os povos indígenas (os grandes guardiões da floresta) e com os precedentes que se consolidaram nos últimos anos acerca da garantia da Constituição nos temas socioambientais. A maior lição é que estamos em uma Casa Comum. Sem o cuidado com todos e de todos os aspectos, seja na economia, seja na política, não teremos futuro.