Uma das principais obras do governo federal e um aceno para as demandas do setor do agronegócio, a Ferrogrão, está paralisada, será objeto de julgamento na Suprema Corte e passa por escrutínio no Tribunal de Contas da União (TCU). Soma-se a esses imbróglios, uma análise feita pelo economista Claudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios, aponta que o projeto é de má qualidade e demandará muito mais recursos públicos do que foi anunciado.
"Representa uma falha de primeira ordem de governança, desde o momento que o projeto foi inscrito no PPA [Plano Plurianual]. A inércia do sistema empurrou o projeto para o TCU avaliar; não deveria ir além", pontua Frischtak na 20a Carta de Infraestrutura - Ferrogrão: um projeto viável?, elaborada pela Inter.B.
A Ferrogrão (EF-170) é uma ferrovia de 976,3 km de extensão, entre Sinop (MT) e Miritituba (PA), com ramais para Santarenzinho e Itapacurá (32,3 km e 11 km de extensão, respectivamente), e prazo de concessão de 69 anos.
O projeto é considerado prioritário do Programa de Parcerias de Investimento (PPI) do governo de Jair Bolsonaro ao conectar a maior região produtora de grãos do país com as Estações de Transbordo de Carga (ETCs) de Miritituba, a saída fluvial aos portos de Santarém e Barcarena, todos no Pará, e daí ao Atlântico.
A previsão é a EF-170 transportar 21,2 milhões de toneladas de carga no primeiro ano de operação e 51 milhões de toneladas no trigésimo ano.
A lógica do projeto é aparentemente robusta: seria uma nova opção ferroviária para o escoamento da produção da região onde a produção de grãos cresce mais rapidamente e com uma logística deficiente – o centro-norte do Mato Grosso.
Pela análise de Frischtak, no entanto, a Ferrogrão é um projeto cujas falhas são de uma magnitude que o torna inviável. "O problema vai além de questões socioambientais, que são muito relevantes, particularmente o seu impacto na cobertura florestal da Amazônia e as interferências sobre territórios indígenas", observa.
Desde julho de 2020 e até o momento, o projeto da Ferrogrão está em análise no TCU. Frischtak aponta que há dois problemas: os números submetidos à Corte de Contas não devem se verificar; e o projeto tem um impacto muito adverso no âmbito socioambiental, particularmente em termos de potencial de desmatamento.
De acordo com o estudo feito pela consultoria de Frischtak, houve mal dimensionamento dos parâmetros submetidos ao TCU e há risco de se levar adiante o projeto com informação falha. "Implica que a Ferrogrão repete os velhos erros: parece subestimar custos e prazos de execução, sobrestimar taxas de retorno e irá – com toda a probabilidade – depender de recursos públicos para sua viabilidade financeira", afirma o documento.
Frischtak estima que o custo da Ferrogrão para o Tesouro pode chegar a R$ 20,7 bilhões em valor presente ou R$ 26,5 bilhões em valores nominais, o que ele considera um custo para a sociedade muito elevado. "Afinal, esses recursos poderiam ser usados – caso fossem realocados na infraestrutura logística do país – em projetos com taxas sociais de retorno positivas e elevadas, diferentemente da Ferrogrão".
O economista considera que há um grande número de projetos de infraestrutura logística viáveis e que melhoram materialmente as condições de transporte do agronegócio no Centro-Oeste e que a Ferrogrão não é um deles.
Outro nó da Ferrogrão está no Supremo Tribunal Federal (STF), que agendou para o dia 15 de junho o julgamento do projeto. No dia 15 de março deste ano, o ministro Alexandre de Moraes concedeu uma liminar, a pedido do Psol, que parou o processo de concessão da ferrovia. O partido alegou que o traçado passa por dentro de uma área de proteção ambiental, o Parque Nacional do Jamanxim, no Pará.
Ao sustentar o argumento, o Psol afirmou que os limites do parque foram alterados por meio da Lei 13.452/2017, que resultou de uma Medida Provisória (MP 758/2016), o que seria inconstitucional. Moraes acatou também esse argumento e, além de paralisar a concessão, suspendeu os efeitos da lei federal.